Evocação de Maurice Merleau-Ponty. A força humanizadora da revogação
Merleau-Ponty entende que quando o ser humano se depara com algo diante da sua consciência - ele nota e percebe esse objecto, só depois - mediante a sua consciência perceptiva - ele passa a ter um fenómeno diante de si. A intuição, a imaginação e só depois o conhecimento gerado em torno do fenómeno. Eis o método de M.M.Ponty - que seguiu Sartre para depois se desiludir com ele e seguir o seu próprio caminho, mas isso agora não importa.
O que importa é que o fenómeno humano do nosso tempo é interferido por um aumento do progresso da ciência, mas nem por isso anda associado a melhores condições de vida; as relações entre os homens intensificaram-se, mas nem por isso melhoraram na sua qualidade ética e material. Tudo pequenos sinais (paradoxais) de que nos estamos a afastar da ordem natural das coisas, na sua esfera ética, religiosa e material, e isso representa um perigo para o homem, porque limita a sua autonomia, a sua liberdade.
À partida, esta preocupação parece esquinar com uma preocupação "beata" e redutora mas, na verdade, está muito para além dela, ou seja, o que define o homem, onde quer que esteja, e daí a importância nesta evocação a um filósofo (fenomenologista) algo esquecido, como Maurice Merleau-Ponty - não consiste em criar uma segunda natureza - social, económica e cultural no nosso tempo - , mas passar por cima das estruturas existentes e, a partir delas, criar outras ainda mais sólidas e adaptadas ao novo tempo.
Eis um dos grandes desafios - políticos, sociais e económicos do nosso tempo, seja no espaço intra-societário, seja na esfera da globalidade. Um desafio simultaneamente reflexivo, social e político, e também ético-religioso, já que sem uma força revogadora e humanizadora nada de novo se constrói na ordem social e económica em Portugal. O que implica rever o quadro de relacionamento do Estado com o chamado Terceiro Sector, como Peter Drucker designou.
Ora, é neste colete-de-forças em que estamos que caberá à filosofia um papel social crescente. Seja para reduzir a complexidade do tempo presente, seja para propor alternativas potenciais e modelos de pensamento contrários às interpretações institucionalizadas do mundo moderno e da praxis dominante que o suporta. Parece, uma vez mais, que cabe à filosofia o papel de "ciência-Mãe", porque é ela que melhor está apetrechada para formular "os porquês" dessa resistência, embora nem sempre esteja em condições de oferecer razões inteiramente convincentes. Dito isto, regressamos à formulação matricial mais densa em Ponty, por isso aqui o evocamos na boa companhia do sempre amigo, sistemático e reflexivo Acácio: só singramos se formos capazes de desenvolver a capacidade de passar por cima das estruturas criadas para gerar outras a partir delas. E para isso teremos todos de ter a força humanizadora de revogar aquilo que hoje pouco ou nada interessa. E é tanto...
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