sexta-feira

Contagens decrescentes - por António Vitorino -

Contagens decrescentes
por António Vitorino, dn
É fundada a expectativa de que o Conselho Europeu deste final de semana acelere a contagem decrescente para a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, uma vez definidas as respostas às últimas resistências da República Checa.
Num momento em que ainda decorrem os jogos de nomes para preencher os lugares cimeiros previstos naquele tratado (especialmente a presidência permanente do Conselho Europeu e do alto representante para a Política Externa e de Segurança), este Conselho Europeu será também a derradeira oportunidade para a União definir uma posição comum para as negociações de Copenhaga, em Dezembro, sobre o quadro global pós-Acordo de Quioto acerca das alterações climáticas.
Quer a existência de uma posição negocial comum europeia quer a probabilidade de um acordo global em Dezembro estão longe de se poderem dar por adquiridas. Um falhanço das negociações globais, no final do ano, seria particularmente doloroso para a Europa, que tem assumido, nestes domínios, uma posição liderante e proactiva. A nova posição da Administração Obama constitui uma janela de oportunidade imperdível, mas a relutância da China e da Índia pode tornar as negociações difíceis. Nesta matéria, a Europa não pode morrer na praia e, por isso, desde já, importa que o quadro negocial com quem os europeus se irão munir neste Conselho Europeu seja um sinal claro não apenas de empenhamento mas também de capacidade de construir pontes entre todos os participantes na Conferência de Dezembro, muito em especial entre os países desenvolvidos e as economias emergentes.
Mas este Conselho Europeu será também dominado por uma outra contagem decrescente: a da retirada dos apoios financeiros especiais que os governos europeus alocaram como resposta à crise financeira e económica global.
Neste ponto já se percebeu que existem divergências entre os Estados membros da União, quer quanto ao calendário quer quanto à intensidade dessa retirada.
Dos 27 países da União, 20 apresentam défices orçamentais superiores aos limites do Pacto de Estabilidade e Crescimento (o que inclui 13 dos 16 países da Zona Euro) e as projecções da Comissão apontam para que, de 2014 a 2016, a dívida pública dos países da União se situe em torno dos 100% a 110% do PIB. Os defensores da ortodoxia do pacto pressionam para que, perante este panorama, se defina um calendário de consolidação das contas públicas, apontando para que se dêem já os primeiros sinais no decurso do ano que vem ou o mais tardar em 2011.
A esta leitura contrapõem os países mais pressionados pela crise económica que o desemprego na União, em 2010, continuará a crescer (ficando a média acima dos dois dígitos) e que as previsões de crescimento apresentadas pelo FMI apontam para uma retoma económica muito frágil (0,3% no ano que vem), razões suficientes para manter o nível dos estímulos fiscais e financeiros estaduais, remetendo o processo de consolidação das contas públicas para um horizonte mais dilatado no tempo.
Neste capítulo, a posição determinante poderá vir da Alemanha, onde o acordo programático da nova coligação no poder prevê uma substancial redução de impostos que, inelutavelmente, subalterniza a prioridade da consolidação orçamental. O que constitui, sem dúvida, uma novidade nas tradicionais posições germânicas…
Mas há ainda uma quarta contagem decrescente de que pouco se tem falado e que é indissociável das demais: a que deverá conduzir a uma nova estratégia de desenvolvimento económico e social na Europa, a ser adoptada na Primavera que vem, sob presidência espanhola. Ao chegar ao seu termo o decénio da chamada Estratégia de Lisboa, aprovada durante a presidência portuguesa em 2000, há que retirar lições do que funcionou bem e do que não resultou e, consequentemente, preparar o quadro de referência da próxima década. Ora, este novo quadro de referência terá de incorporar quer os compromissos de Copenhaga quer a necessidade de resposta às consequências dura- douras da crise económica e social deste último ano e meio, muito em especial no plano da competitividade das empresas europeias e do desemprego.
Em Bruxelas dá-se hoje o pontapé de saída de um semestre decisivo para o projecto europeu do futuro.
Obs: Divulgue-se em nome do ideal europeu.