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O dilema socialista - por António Vitorino -

O dilema socialista, in DN
O centro-direita e a direita são os vencedores destas eleições, embora a abstenção continue a crescer.
É particularmente difícil retirar conclusões europeias de eleições que foram assumidamente dominadas por temas nacionais. Mas parece ser possível assinalar algumas tendências, ainda que elas resultem sobretudo da soma de dinâmicas nacionais.
Sobre a taxa de participação, a abstenção continuou a crescer, ainda que menos por comparação ao crescimento registado de 1999 a 2004. Mesmo assim, muito longe de qualquer hipótese efectiva de inversão da tendência de alheamento dos eleitores perante um Parlamento Europeu que vê sistematicamente reforçados os seus poderes efectivos.
Em termos partidários, torna-se evidente que o centro-direita e a direita saem claros vencedores destas eleições. Com efeito, além de o Partido Popular Europeu continuar a ser o maior partido no parlamento, a sua quebra relativa (menos 1% de votos) foi compensada pela quebra, essa sim muito pronunciada, dos socialistas e sociais-democratas. A ponto de o PPE conseguir compensar a saída dos deputados conservadores britânicos, que provavelmente formarão um novo grupo político no PE com pequenos partidos eurocépticos da Polónia, República Checa e Letónia. Quanto a estes, a dúvida é a de saber se atingirão a representação mínima de sete países necessários para serem reconhecidos como grupo parlamentar. Sem embargo, este bloco, no seu conjunto, passou de 36% para 42,8% do total da representação parlamentar.
Os socialistas e sociais-democratas do PSE registam um recuo na ordem dos 5%, sobretudo fruto de perdas pesadas em grandes países como o Reino Unido, a Alemanha, a Itália e a França, além das derrotas noutros países como Portugal, Hungria e Espanha. De igual modo, os liberais (terceiro grupo do Parlamento) registam um recuo (na ordem dos 2%), assim como a esquerda comunista e a extrema-esquerda (menos 0,7%).
Por contraste, registam crescimentos significativos Os Verdes (quase mais 2%), especialmente em França e na Alemanha, e a direita radical eurocéptica (incluindo alguns partidos de extrema-direita), estes elegendo deputados no Reino Unido, Áustria, Itália, Holanda, Hungria, Finlândia e Dinamarca. Neste campo, a única surpresa tem a ver com o rotundo falhanço do primeiro partido eurocéptico transnacional, o Libertas (representado em Portugal pelo Movimento Partido da Terra), que apenas (re)elegeu um deputado em França e falhou a eleição na Irlanda de Declan Ganley, o líder do movimento de contestação ao Tratado de Lisboa no referendo do ano passado.
Do ponto de vista político, as quebras dos socialistas, liberais e extrema-esquerda praticamente tornam impossível que o centro-esquerda (mesmo com os votos de Os Verdes) possa aspirar a formar maiorias pontuais sequer no próximo Parlamento Europeu. Em termos de formação de maiorias absolutas (necessárias para certas votações cruciais), muito provavelmente a sua obtenção dependerá sempre da convergência do PPE e do PSE (que conjuntamente dispõem de 57% dos mandatos). Para os casos das maiorias menos exigentes (relativas), a fragmentação acrescida do Parlamento Europeu torna mais incerta a margem de manobra do partido mais votado (o PPE), quer para poder contar com o apoio de um eventual grupo eurocéptico a formar com base nos conservadores britânicos, quer dos liberais, tudo dependendo dos temas e da consistência da oposição das demais forças políticas.
Do exposto resulta que o centro-esquerda perdeu manifestamente capacidade de afirmação e de liderança, o centro direita terá de encontrar apoios com maior dificuldade em face das divisões políticas dos seus potenciais apoiantes e a única solução estável será a "Grande Coligação" ao centro PPE/PSE.
O que coloca uma questão dilemática aos socialistas e sociais-democratas europeus: ou optam por correrem o risco de serem acusados de assumirem uma mera função de "muleta" de uma liderança de direita, pagando um preço por isso, ou assumem a derrota que sofreram e reconstroem o seu campo político numa posição de maior distanciamento em relação à orientação dominante. A resposta a este dilema terá de começar a ser dada já no mês de Julho.
Obs: Divulgue-se pelo realismo da análise.