Ferreira Leite num "Governo de iniciativa presidencial" seria um desastre
A 1ª coisa que faria caso Sócrates tivesse de fazer uma coligação governamental pós-eleitoral com Ferreira Leite seria emigrar ou pedir asilo no corno d´África alegando que viver em Portugal seria sinónimo de turbulência política diária. Nesse caso, que apenas admito em tese académica, até seria preferível uma coligação com um dos dois partidos dos extremos do sistema político nacional: ou com o CDS/PP ou com o PCP. Com aquele teria que se investir mais em submarinos e em segurança, e também em fotocópias (a avaliar pelo culto que Paulo Portas tem pelo equipamento quando foi titular da Defesa Nacional), com este mais em políticas sociais e combater a precariedade laboral e tirar ao empresariado para dar aos trabalhadores. Vendo bem, talvez até fosse preferível uma coligação com o PCP, o que seria uma novidade neste experimentalismo político ao cabo de 35 anos de democracia em Portugal, do que engrenar à força com este PSD. Mas já admito que as coisas sejam diferentes com Passos Coelho na liderança... Enfim, é tudo uma caixa de pandora na casa da Aurora. Digo isto porquê? Ferreira leite e o actual PSD dizem uma coisa num dia e o seu oposto no outro. É assim em matéria das principais políticas públicas: segurança social (cuja reforma foi feita pelo actual governo, talvez a mais importante da legislatura que ora finda), investimentos públicos, segurança, ambiente e energias renováveis. Não existe em Ferreira Leite um eixo estruturante com base no qual a sociedade veja racionalidade, oportunidade ou sentido de Estado, tudo alí é errático, conjuntural, zigue-zagueante. Até mesmo as entrevistas que Leite dá têm de ser corrigidas minutos depois pela própria - a fim de precisar termos ou conteúdos, contrariar o que disse, desmistificar ou mesmo corrigir algo que disse mas que, afinal, não pretendia dizer. É assim Ferreira Leite - uma multidão de contradições, um desnorte pegado. Não é certamente por maldade, apenas por uma natural incapacidade de compreender sectorialmente as coisas da governação e uma terrível falta de vocação para a política. No fundo, Leite é o maior embuste do cavaquismo, depois de Santana Lopes. A sua grande vantagem é beneficiar do seu grande amigo de Belém, que por acaso ocupa "só" o vértice do Estado, e que na sombra dos dias e na cinza das horas lhe vai dando as dicas, o guião e o roteiro que ela deverá seguir nos tempos mais próximos para não se estampar contra uma muralha d' aço. Isto tem sido tanto assim que no passado recente Leite até se esquece que deve manter reserva dessa ajuda de Belém, e como é desbocada e não tem sentido de Estado - era costume a srª Ferreira ir para os media antecipar a agenda do PR. Até que chegou o dia em que algum assessor de Belém lá lhe terá dito: ó Manuela as conversas privadas com o sr. professor Aníbal devem ficar no segredo dos deuses..., e ela lá corrigiu a rota e mantém o low profile. Mas a custo. Mas compreendo a razão pela qual Leite tem cometido esses dislates pondo a nú a própria agenda presidencial. Seguramente não é por maldade ou pura vontade de fazer intriga palaciana a partir da vox extensiva de Belém, tal decorre do facto de Leite não ter nada para dizer ao País, e aquilo que ocorre debitar são as conversas privadas com o PR. Por ocasião do dia comemorativo do 25 de Abril o PR deixou uma mensagem que aponta para a necessidade de os principais partidos do arco da governação - PS e PSD - terem de se entender a fim de não comprometer a necessidade de prosseguir as reformas que o Governo tem vindo a seguir. Cavaco foi esperto e, mais uma vez, deu uma mãozinha à sua pobre discípula, Ferreira leite, apontando-lhe o caminho. Ou seja, Cavaco sabe duas coisas de ciência certa: 1) Sócrates pode não conseguir obter a maioria absoluta nas próximas eleições legislativas; 2) e Ferreira Leite tem tantas chances de ganhar eleições e governar Portugal como o meu avô tinha de bater em prova de Fórmula1 o saudoso Ayrton de Sena. Cavaco sabe isso, e a fórmula que encontrou para, por um lado, assegurar a onda de modernização reformista de que Portugal precisa e, por outro, ajudar Ferreira Leite a ser alguém na política - foi aquela mensagem táctica mas com alcance estratégico por ocasião da comemoração do dia de Abril. No fundo, como Cavaco já não pode dissolver o Governo (e mesmo que o fizesse também não daria garantias ao PSD de que ganharia as eleições) nem pode fazer governos de iniciativa presidencial - como no passado fez Eanes, apresenta esta fórmula mais suave que visa engajar o velho bloco central na modernização do País metendo, ao mesmo tempo, a sua amiga Ferreira Leite no governo com duas ou três pastas. Se tal cenário se vier a traduzir em realidade - esperemos que Ferreira Leite não fique nem com a pasta da Educação - que escavacou - nem com a pasta das Finanças - que sufucou o empresariado. Tudo isto é muito bonito, Cavaco revelou inteligência política na redação daquele discurso de compromisso ao estilo de Joaquim Aguiar, mas esquece-se dum pequeno grande detalhe (e deus e o diabo estão nos detalhes)... Leite não tem a mínima ideia do que é a governação, em 10 meses de gestão interina do PSD não conseguiu a presentar uma única ideia estruturante ao País, faz da quezília e do bota-a-baixo o seu método de fazer oposição, não tem visão, liderança, estratégia nem identidade no PSD - que é uma espécie de albergue espanhol - onde reina uma confusão congénita, e que a sua direcção só veio agravar nos últimos meses. Numa palavra, diria o seguinte: o discurso de Cavaco foi muito bonito, mas irrealista e impraticável por uma simples razão: qualquer acordo, coligação ou aliança com o actual PSD, privado de tudo, até de bom senso (como se viu por aquela bernarda no American Club em que a dita Manuela desejava suspender a democracia por seis meses a fim de empreender as reformas em Portugal) estaria, à priori, votada ao fracasso. E a ser assim seria preferível que o governo em funções caísse até se encontrar uma fórmula de governação mais condizente com a estabilidade política e os verdadeiros interesses de Portugal neste turbulento contexto de globalização competitiva altamente exigente.
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