Vitorino Magalhães Godinho: um nome a recuperar, uma referência a revalidar
Hoje tive dificuldade em reter algumas ideias daquilo que dona Fátima campos Ferreira designou Pensar Portugal.
O meu televisor é velho, já tem quase os anos de Abril e só por afecto ainda não foi para a reciclagem. Às segundas, quartas e sextas apresenta imagem mas priva-me de som; nos restantes dias dá-me som mas priva-me da imagem. Acho que faz de propósito só para testar a minha paciência e cumplicidade, "maneiras" que por vezes não consigo perceber tudo e fico lerdinho, ou lé-lé da cuca...
Mas o que mais me impressiona não foi ver o dr. Mário Soares repetir a palavra neoliberalismo e crise vezes sem conta ensaindo a sistematização da Guerra Fria documentada magistralmente por Raymond Aron no Paz e Guerra, mas foi constatar o seu capital genético que faz com que ele não envelheça. Ou envelhecendo, envelhece mais lentamente do que o comum dos mortais, o que é uma garantia adicional para a nossa República, pois trata-se do pai-fundador do regime democrático - que depois impediu a deriva totalitária desejada pelo PCP de Cunhal. Por isso, está de parabéns, além de ser sempre útil ouvir a sua consciência crítica e perceber que, na política, não entram os negócios.
Anacoreta Correia disse umas verdades verdadinhas que talvez mereçam meditação, em particular a dicotomia que as democracias de opinião carregam quando se confrontam com dois valores contraditórios: a notoriedade vs qualidade das decisões. Fez também um distinto curioso entre política (ideia de serviço à comunidade) e poder (instrumento de satisfação de ambições pessoais sem relação ao bem comum) que só lhe ficou bem. E hoje não há gato sapato que não vá para a tv dizer banalidades, o que também não ajuda à formação das boas decisões de que dependem milhares de pessoas. Isto não significa secundarizar os partidos, antes implica um esforço para requalificar a democracia e o sistema de partidos, e Cavaco - no seu discurso do 25 de Abril - ao sugerir que os dois partidos do arco da governação deverão entender-se nas principais reformas a empreender - está a induzir uma planificação, pela positiva, geradora da requalificação da democracia e, indirectamente, a responsabilizar os partidos políticos nessa tarefa de reconstrução da democracia política, social e económica em Portugal.
Afinal, Cavaco diz coisas importantes, não se atém apenas ao Estatuto dos Açores...
Até porque a democracia sem partidos seria mais pobre, e não havendo competição política através dos partidos, o mercado das ideias esfumar-se-ía, e depois teríamos de ouvir os comentários monólogados da dona Fátima do Prós & Contras, o que seria bem pior.
Quanto ao historiador Vitorino Magalhães Godinho, a quem terei de regressar, deixa-nos um conjunto de desafios e de ideias por valorizar. Designadamente em matéria de cultura e história e identidades. Pois é difícil que deixemos comandar a nossa língua apenas porque o inglês se impôs mundialmente.
Depois a ideia do primado da economia e do lucro sobre a organização da sociedade, do saber, dos projectos sociais e de toda a agenda de investigação científica - pura e aplicada - é, no entender deste grande historiador por quem aprendi umas coisas no Liceu, algo que tem de ser revisto.
Quem poderia fazer uma reflexão autorizada sobre Vitorino Magalhães Godinho era o José Adelino Maltez. Talvez ele considere essa possibilidade e partilhe connosco uma sistematização do pensamento daquele grande historiador que hoje foi relembrado no dito programa.
Só por isso já valeu a pena vê-lo, ainda que sem som, porque às segundas só tenho direito à imagem.
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