Fazer a diferença - por António Vitorino -
o sublinhado é nosso.
Esta semana vieram a público os resultados de uma sondagem do Eurobarómetro, sobre as intenções de voto nas eleições para o Parlamento Europeu a realizar no próximo dia 7 de Junho.
O sentido geral do inquérito que envolveu mais de 27 000 pessoas nos 27 Estados membros da União é preocupante: apenas 34% dos inquiridos declaram a sua intenção de participar no acto eleitoral!
Esta tendência de crescente abstencionismo tem vindo a verificar-se ao longo dos anos, tendo ultrapassado a fasquia dos 50% em termos médios europeus quer em 1999 quer em 2004. O paradoxo é que esta evolução varia na razão inversa da ampliação dos poderes do Parlamento Europeu, sempre em crescendo nas sucessivas revisões dos tratados europeus.
Trata-se de um caso onde a influência reforçada do Parlamento Europeu na vida dos cidadãos, correspondendo ao aumento das suas competências designadamente no processo legislativo, não é entendida por esses cidadãos europeus como uma motivação para o voto. Esta mesma sondagem revela que entre os declarados abstencionistas 62% respondem que o seu voto não fará qualquer diferença no rumo do projecto europeu e 55% consideram que o Parlamento Europeu não se ocupa de questões que lhes digam directamente respeito.
Este sentimento dominante de indiferença ou mesmo de alheamento perante os temas europeus contrasta com o argumento tantas vezes brandido contra a intromissão do nível europeu no plano político nacional, já que cerca de 70% das decisões nacionais hoje em dia corresponderiam, directa ou indirectamente, a opções políticas tomadas a nível europeu. Acresce que a actual conjuntura de crise global demonstrou à exaustão (por acção e também por omissão) até que ponto é que a instância política europeia é decisiva na procura de uma resposta para a desregulação financeira, a recessão económica e a factura social decorrente.
Neste aspecto, a sondagem mostra também uma percepção preocupante por parte dos inquiridos. Desde logo no tocante às próprias eleições para o Parlamento Europeu, na medida em que no final de 2008 eram 37% os que manifestavam intenção de votar, sendo que o essencial da resposta europeia à crise não permitiu inverter esta tendência, antes registando-se um ligeiro aumento das fileiras abstencionistas. Mais genericamente, o grau de confiança que os inquiridos depositam nas instituições europeias também sofreu uma queda acentuada desde o último inquérito (menos 6% para o Parlamento, menos 5% para a Comissão e menos 9% para o Banco Central Europeu).
A compreensão destes sinais de desafeição dos europeus está intimamente ligada ao impacto da crise económica e ao crescimento do desemprego. Cerca de 57% dos inquiridos identificam o desemprego como a sua principal preocupação (mais 10% que no anterior inquérito), logo seguidos dos que identificam a inflação e o poder de compra (52%). Números que se tornam mais elucidativos quando ponderamos que apenas um terço dos inquiridos (36%) tem conhecimento das medidas anticrise tomadas a nível europeu, dos quais 44% avaliam positivamente tais medidas contra 21% que delas têm uma percepção negativa.
Estes dados revelam, sem dúvida, a importância da campanha de esclarecimento e de debate sobre as opções da política europeia a propósito das próximas eleições.
Com efeito, a agenda europeia dos próximos anos terá de incorporar as questões e os temas que mais directamente dizem respeito ao quotidiano dos cidadãos, como precondição a um mais claro entendimento do significado e do alcance do projecto europeu. Esse debate terá de clarificar o que cabe fazer no plano europeu e o que é exclusiva responsabilidade de cada Estado membro. E ao mesmo tempo esse debate deverá permitir identificar com clareza as diferentes opções ideológicas e políticas em presença no cenário político europeu.
Só assim se poderá dar um sentido motivador ao voto em 7 de Junho e demonstrar que esse voto também pode fazer a diferença quanto ao nosso futuro colectivo.
Obs: São dados preocupantes, mas esperáveis nas europeias, em que crónicamente os eleitorados sentem que os seus eurodeputados vão para a Europa para fazer turismo e trabalhar para a reforma dourada, salvo raras excepções. Recordo, contudo, um estudo da Transatlantic Trends de 2003, curiosamente integrado no livro de Vital Moreira, Nós Europeus, lançado esta semana, que é um valioso contributo para a compreensão do estado da opinião pública europeia e norte-americana, em que se procurou saber qual a percepção que cada Estado tinha do outro no quadro das relações transatlânticas. Bem sei que se tratou de um referencial diferente do que se coloca específicamente com as eleições europeias, mas, em todo o caso, os europeus revelarem nesse estudo de opinião da TT/2003 que os europeus tinham a União Europeia e alta estima e até desejavam que ela se tornasse numa superpotência capaz de ombrear com os EUA, ainda que no quadro duma concorrência cooperativa, e não excludente.
Invoco esta pequena conclusão para resituar o problema, pois se os europeus se abstêm de votar nas europeias mas, ao mesmo tempo, (ainda que num referencial diverso inscrito no estudo referido, ou seja, comparação com os EUA) - têm a UE em boa conta, pois sabem que é dela que vêem os recursos e a força para a nossa modernização e desenvolvimento, não se compreende a razão de tamanha taxa de abstenção, que também foi elevada nas últimas eleições autárquicas intercalares em Lisboa, na sequência da queda do executivo de Carmona Rodrigues - em que apenas votaram em Lisboa o número de pessoas que encheria o Estádio da Luz, esse Glorioso da 2ª Circular que só tem fama mas nenhum proveito, por pena minha.
Momento haverá em que os portugueses inverterão os dados do problema, e quando isso ocorrer constataremos que entre os valores das sondagens de opinião e a realidade contada dos votos haverá um gap difícil de explicar. Por enquanto, é a abstenção que tem comandado as regras deste jogo, mas pode ser que no futuro imediato os portugueses olhem para as europeias com a responsabilidade que depositam nas eleições legislativas ou mesmo autárquicas, mas para que isso aconteça é também preciso que os candidatos expliquem bem o seu programa, revelem as suas intenções, porque em momentos de grande turbulência urge apresentar propostas concretas para os problemas europeus que são simultanemanete problemas e constrangimentos nacionais, e ao lermos o Nós Europeus de Vital Moreira - encontramos lá um conjunto de ideias-força que consubstanciam um programa eficiente para levar às Europeias.
Tenhamos fé que os portugueses contrariem o sentido geral das sondagens em matéria de europeias, por muitas e boas razões, mas concretamente para ajudar a eliminar esta crise de confiança global que tem atrasado a Europa e empobrecido (relativamente) cada um dos seus Estados membros. Este é o momento necessário para que os portugueses dêem um chuto no sentido geral das sondagens e possam votar massivamente, até porque a crise social e económica assim o exige.
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