sexta-feira

Justiça autárquica - Notas e Pensamentos -

Justiça autárquica
Longe iam os tempos de perfeita impunidade de detentores de cargos públicos, com especial relevo para os autarcas. Lembro-me de quando era miúdo que havia algumas classes sociais que detinham um estatuto de excelência por entre as demais ..... médicos, advogados, bancários e autarcas.
Eram tempos que estas classes faziam o que queriam ou pelo menos detinham um poder económico acima da média. No caso dos autarcas, todos faziam o que o senhor presidente pedia (ou mandava). Era um cargo com um estatuto social muito elevado, de quem podia fazer e desfazer a seu belo prazer sem ter de prestar contas a ninguém, controlando mesmo directa ou indirectamente as forças policiais e de bombeiros, com todo o estatuto e poder associado.
O poder dos autarcas advém ainda de um factor essencial que é o facto de ainda ser o principal empregador de uma região ou cidade. Como para além das autarquias existem uma série de empresas público-municipais (ou como as quiserem designar), onde o presidente acumula o cargo (e vencimento não limitado) e elas são também geradoras de algum emprego ..... e são sempre várias ..... a conclusão é simples e óbvia.
Com o decorrer dos tempos a sociedade foi-se alterando e o poder dos autarcas foi sendo cada vez menos um dogma. Apesar do clima de impunidade jurídica ser ainda manifestamente significativo, começaram a aparecer nos tribunais e na comunicação alguns casos e denuncias, que fez com que a população acreditasse que as coisas estavam a mudar. O facto de saberem que são mais controlados e que deixaram de ser divindades, aliado a toda uma nova geração que possui outras bases e outra capacidade de informação, foi contribuindo para uma melhoria de postura e credibilidade da função autarca. Estamos agora a voltar para trás.
Em pouco tempo vindo a assistir a vários processos que deitam por terra toda a credibilidade que se pensava estar a ser conseguida. Foi o processo vergonhoso da Fátima Felgueiras que soube com antecedência suficiente do que se iria passar e decidiu ir até ao Brasil, para onde o nosso estado passou a enviar a sua reforma mesmo na condição de foragida, e, maravilha das maravilhas, ainda se negociou com ela o seu regresso sem ir para prisão preventiva ..... ela nem saberia para onde ir ..... claro. Apesar de tudo o que ficou provado, saiu em ombros pela população e com pena suspensa, ou seja, se roubarem e fugirem para o Brasil, desde que a população goste de vocês está tudo bem.
Depois disso vem o processo do Adelino e outra maravilha da nossa justiça ..... sem condenação. O freguês que se segue é o Isaltino Morais ..... adivinhem como vai terminar este processo .....
Para além de já sabermos que a política e a justiça estão intrinsecamente ligadas, sendo os laços de amizade e ideologias comuns (tipo partido, maçonaria, etc) muito fortes, sabemos também o aparecimento (e desaparecimento) de provas em tribunal parece não ter fim ..... e os resultados acabam geralmente de forma similar. Começo a ter sérias dúvidas sobre a qualidade dos nossos magistrados pois parece que todos são mais espertos que estes.
A bem da nossa sociedade gostava de acreditar que os nossos autarcas são maioritariamente honestos e que estão lá pelo bem comum, mas a verdade é que sabemos que em todos os grupos existem sempre aqueles com poucos escrúpulos e dispostos a enriquecer a todo o custo. Para esses é necessário que exista justiça e que esta seja célere e eficaz, o que é o contrário ao que temos assistido e estamos a assistir.
Estamos a regredir na credibilidade dos cargos autarcas e, pior que isso, quem prevarica vai achar que já pode voltar ao que era. Não auguro futuro brilhante se continuamos a trilhar tais caminhos.
Obs: A regra deveria apontar para que a lei impedisse que candidatos ao poder local (bem como a outros cargos públicos) com problemas fundamentados com a Justiça - não o pudessem fazer até que a situação se esclarecesse no plano legal.
Marques Mendes tentou impôr esse regime legalista a Isaltino, mas foi derrotado nas suas intenções legalistas. Hoje Isaltino já confessou os crimes cometidos, já todos prescritos. Moralmente jamais deveria continuar à frente da autarquia, e legalmente a sua posição é problemática.
Mas o povo quer é pão e circo, e, por isso, continua a votar neste populismo que mitiga empreendedorismo ao nível das obras públicas e casas e actividades sociais para as populações. Isaltino sabe fazer isso, sabe deixar as populações satisfeitas, e em inúmeros casos trata-os por "tu" e sabe o nome dos munícipes como se fossem amigos ou da família.
Esta personalização do poder é crucial em política pelas relações de proximidade que gera entre governantes e governados, mormente no quadro dos governos de proximidade, como são as autarquias.
O problema é que a Justiça em Portugal é lenta e ineficaz, e os autarcas alegadamente corruptos avançam - por vezes mesmo contra os respectivos aparelhos partidários (que também não se eximem de serem corruptos e traficarem influências), e até ganham com o estatuto de independentes. Isaltino Morais, em Oeiras, ilustra esta inversão do espírito e da letra daquilo que deveria ser a lei.
Mas hoje é um autarca em fim de ciclo. Certamente, deixou obra, mas também tantas e tantas suspeitas de corrupção e de enriquecimento à custa do cargo público que desempenha há décadas - que a história o julgará, ante a impotência funcional da miserável justiça que temos. Talvez o maior cancro em Portugal, seguido do desemprego.
Melhor legislação, mais transparência e cidadania e uma nova mentalidade das populações é que poderão inverter esta podridão que, em alguns casos, ainda é patente.
Mas também há casos de autarquias em que prima a transparência, a fiscalização da oposição, o governo electrónico para facilitar a vida aos munícipes, em Lisboa até já existe o SimpLis...