O relógio e a vaca
Sou dos que pensam que registar as opiniões das pessoas num dado momento relativamente a uma determinada questão oferece vantagens. Sendo importante, seria bom que os media não usassem e abusassem desse expediente sempre que pretendem provar o que quer que seja, sob pena de desvirtuar a democracia e, em inúmeros casos, manipular e influenciar as pessoas inquiridas com menor cultural social e política. Além duma pressão sobre o sistema de Justiça - que assim tem de acompanhar o passo acelerado dos media. E a pressa, consabidamente, é inimiga da boa justiça.. Vejo assim o conceito de "sondagem", e há, devo dizer, bons profissionais do sector em Portugal, como uma espécie de relógio, i.é, o artefacto que mede o tempo com exactidão servindo, pois, para sabermos que horas são a cada momento. Mas o facto de alguns relógios não serem completamente exactos e alguns serem utilizados (admito até que involuntária ou inconscientemente) como ornamento decorativo, não contradiz o próprio conceito de relógio. Antes revela a imperícia e a imaginação humana. Pelo que há relógios bons e relógios menos bons. Vejamos outro exemplo: a vaca. Trata-se, como sabemos, dum animal que dá leite e a carne para o nosso sustento. O facto de em determinada região ela ser condiderada intocável e sagrada não se pode atribuir à vaca, mas à cultura onde ela está inserida que determina a vigência desse sistema de valores. Ou seja, racionalizar, quantificar e arrumar na prateleira intenções de voto acerca de qualquer tema é sempre mais problemático do que arrumar latas de feijão e pacotes de leite na dispensa lá de casa. De resto, a maior parte dos inquiridos em sondagens mente: uns mentem naturalmente, outros mentem compulsivamente, outros mentem estupidamente. Há de tudo, o que dificulta o trabalho de apuramento e filtragem de todas essas intenções humanas erráticas. Hoje "alguém" me dizia que um grupo de pessoas qualificadas se foi inscrever num Centro de Emprego com o objectivo de conseguir apoios para constituir uma empresa de sondagens. Mas o mais curioso é que o objecto dessa empresa em gestação, segundo me foi referido, não se destinaria a "sondagens políticas", mas sim determinar a razão, as motivações e a quantidade de fugas de informação e violação do segredo de Justiça oriundos das autoridades judiciais em Portugal. E através desses estudos determinar, na medida do possível, as fontes, as motivações e a lógica que preside às ditas fugas - que hoje, lamentavelmente, parecem ser a regra em Portugal. Como se tratam de "quantidades industriais" de fugas de informação - os promotores - pensaram identificar aí um nicho de mercado importante.
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