terça-feira

O chico-esperto é uma instituição. O exemplo de Marcelo e a Política com todos

Qual de nós não tentou já armar-se em chico-esperto... Na fila do trânsito, na repartição de finanças, nos correios, na padaria, no quiosque, na farmácia, na política e até na análise e comentário político...
Ontem o douto Marcelo Rebelo de Sousa usou e abusou desse epíteto para cunhar o PM - no âmbito da compra de casa que parece ter decorrido ao melhor preço de mercado. Mas Marcelo aproveitou a onda do Freeport e tentou fazer um "tubo", como se diz em linguagem de surfista. O que interessa é que o efeito de sugestão tenha prevalecido sobre a natureza dos factos. Com o curso, segundo Marcelo, o PM terá feito o mesmo. Depois rematou, como quem julga a vontade dos portugueses através do comentário político, que tal "chico-espertismo" não impedirá os portugueses de voltar a eleger Sócrates para o cargo de PM, um sonho tornado pesadelo para Marcelo.
E porquê? É simples: por vezes, muitas vezes, o comentarista congela a sua função de analista e vê-se ou transporta-se para a função de PM, sentado no cadeirão de S. Bento, que ele tem recalcada na sua personalidade.
Até parece que Marcelo acha que os portugueses gostam da figura do "chico-esperto", por isso irão votar nele novamente. No fundo, Marcelo chamou chico-esperto a todos aqueles que votam Sócrates. Como Marcelo nos últimos anos não vota PSD, presume-se que também seja um deles...
Pergunto-me o que diria o PSD em bloco, com Paulo Rangel à ilharga, caso amanhã António Vitorino cunhasse a srª drª Manuela Ferreira Leite de "bacalhau seco" (que é como alguns dos seus assessores a tratam à boca pequena), "tábua de engomar", "idosa lambisgóia", "bisnaga", o canivete-da-Lapa (este é meu e vai entrar agora na gramática política, que Deus me perdoe) ou mesmo "bruxa da Ajuda" - um lugar que tem uma ressonância negativa para Santana Lopes. Tudo nomes que não dignificam a política nem a relação pessoal e institucional que deverá existir sempre entre todos os titulares de cargos públicos - bem como na sociedade em geral.
Ora, o facto do douto Marcelo ter usado e abusado do epíteto relativamente ao Primeiro Ministro de Portugal (goste-se ou não dele) - abre a porta para que o próprio Sócrates (ou qualquer outro actor político), amanhã, numa qualquer cerimónia pública, pergunte:
  • Como qualificar o próprio Marcelo quando este deu o mergulho no rio Tejo para, através desse expediente balnear oportunista, tentar arrebanhar uns votinhos para a CML - que perdeu em 1989, e bem, para Jorge Sampaio?
  • Como qualificar Marcelo quando atribuía a nota de 16 valores a Marques Mendes quando este interferia diáriamente na vida interna da autarquia de Lisboa quando esta era dirigida pelo prof. Carmona Rodrigues?;
  • Como qualificar Marcelo quando designou Francisco Pinto Balsemão de "lé-lé da Cuca", facto pelo qual foi depois convidado a pedir desculpa(?);
  • Como qualificar Marcelo quando tentou estabelecer uma aliança política (contra-natura) e oportunista com o cds de Paulo Portas cujo desfecho o obrigou a sair pela porta pequena do PSD e da política activa?;
  • Como qualificar Marcelo quando nos últimos 20 anos mais não tem feito do que torpedear sistemáticamente os vários líderes do seu próprio partido?;
  • Como qualificar Marcelo quando este faz Pub. a livros que, em inúmeros casos, ou não têm qualidade ou nem sequer foram devidamente lidos (?). Bem sei que tem uma biblioteca em Celorico que deseja equipar, mas...

O douto Marcelo tem, de facto, um grande problema de afirmação política em Portugal. Ele sabe que é um herói na academia, um jurisconsulto conceituado, um comunicador nato. Mas, na realidade, quando ele tenta acertar o passo entre aquelas dimensões da sua vida socioprofissional com a dimensão política o gap é tão monstruoso quanto frustrante. Fica uma mão cheia de nada. E isso diminuo-o perante qualquer político em Portugal.

Este facto tortura psicológicamente o comentador e abre a porta para que uma tendência comportamental (desviante) nele se avolume: a esquizofrenia política, da qual resultam as relações de amor-ódio que o analista desenvolve com alguns actores políticos em Portugal - que escolhe como alvos dos seus comentários. Sócrates é um, o ministro da Agricultura deste governo é outro. Mas há mais. Em tempos teve Belmiro na mira, mas depois faltou-lhe coragem para passar a fronteira e kantianamente auto-limitou-se.

Ao fim e ao cabo, qualquer autarca de província, que tenha mandado calcetar uma rua ou requalificado a empena duma igreja já fez mais obra do que Marcelo, que tirando as aulas, os pareceres e a direcção do Expresso poucas ou nenhumas marcas deixou na política activa em Portugal. Intriga, muita intriga... Paulo Portas que o diga naquelas histórias da vichysoise de Belém, que o obrigaram a publicar invenções de Marcelo nas folhas do Indy...

Na teoria psicopolítica isto explica as toneladas de traumas que Marcelo já interiorizou na sua vida política. Portanto, é compreensível que ele diga o que diz do PM. Podemos até dizer que, de facto, tudo aquilo a que o douto Marcelo se propôs perdeu sempre. Nem sequer autarca em Lisboa conseguiu ser. Nem mesmo com o lance de manifesto "chico-esperto" através daquele mergulho no rio Tejo - os lisboetas se deixaram endrominar pela teoria que Marcelo critica em Sócrates, mas que, afinal, tem sido um verdadeiro autor e praticante em Portugal.

Sobretudo, quando se serve dos comentários dominicais para catalogar e apoucar as pessoas que ele tenta combater politicamente através da sua suposta "análise".

Creio que pior do que ser chico-esperto é, por vezes, sermos intelectualmente desonestos (que é uma espécie de chico-esperto terceiro-mundista). E nisto o comentarista já tem uma tonelada de doutoramentos.

Em rigor, o problema de Marcelo, tal como o de Pedro santana Lopes, nem sequer é político ou analítico, mas psicanalítico. E o mais grave é que eles ainda não perceberam uma coisa tão simples...