Legado cristão e o rabo virado para Meca
O tema do choque cultural e o método da tertúlia que o cardeal patriarca, desgarradamente, resolveu colocar na agenda mediática - fundado nas diferenças religiosas e culturais entre cristãos e muçulmanos, merecia mais seriedade no trato e na forma com que foi abordado. Ver D. José em tertúlia na Figueira da Foz - foi (quase) reconhecer os comícios de província para angariação de fundos para construir o cemitério e o Lar de 3ª Idade lá na terra. Portanto, na forma o cardeal esteve mal. As suas palavras em lugar de estimularem ao diálogo interreligioso sério e tolerante só incentivam à sobranceria entre pessoas de cultura e religião diferentes. D. José, ao escolher aquele registo tertúliano na Figueira, com a mãozinha sapuda a bater no peito, mais parecia um político de 2ª linha em desespero de conquistar a Junta de freguesia do que um sacerdote eminente - que um dia até foi candidato a Papa. Agora no plano da história das religiões entre a fé cristão e a fé muçulmana - aquela revela uma tolerância imcoparavelmente maior. A fé muçulmana, tal como a fé cristã, define-se pela oração. Mas naquela só a fé assume a forma duma declaração: Só há um Deus e Maomé é o seu Profeta. E ai de quem não acredite nisso. São os "sarilhos" de que falaca D. José.. E aqui D. José - pelo que não disse nem enquadrou - terá, por extensão, razão. Ainda que seja uma razão omissa - que exige esclarecimentos, adendas, justificações e ajuda dos amigos da "casa" para salvar a honra do convento. A oração cristã é igualmente uma profissão de fé, mas já inclui a frase - perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido. Ainda que depois todos nos comportemos como verdadeiros animais. Ou seja, enquanto que no Corão o pedido de clemência fica condicionado, já na oração de cristã é costume perdoar-se o inimigo. Teóricamente... É óbvio que esta cultura de tolerância e de respeito pela diferença na fé cristã integra e resolve os conflitos por via pacífica, e na fé muçulmana - já não haverá essa tolerância, e a imposição do homem sobre a mulher é esmagadora. É óbvio que nem sempre os cristãos têm sabido honrar os seus valores e princípios, as cruzadas foram um desses crimes que serviram para conquistar territórios e para divulgar a fé cristã, com a espada numa mão e a Bíblia na outra. D. José sabe disso, e até já pediu públicamente desculpas pelo Marquês de Pombal ter feito o que fez aos judeus em Portugal há 200 anos. Sabendo isto, conhecendo o peso da história, identificando até os riscos para a segurança nacional - (e das comunidades portuguesas junto de países muçulmanos) - que as declarações imprudentes de D. José suscitaram - seria agora mais avisado que os irmãos de fé, rogando o perdão de todos aqueles que, pontualmente, usam as palavras como pedras acabando por maltratar os outros (até porque o muçulmano de Marrocos pode tratar a sua mulher de modo diverso do que trata um muçulmano do Afeganistão) - seria chegado o momento para os grandes desafios intelectuais, culturais e religiosos - a fim de se consagrar uma ideia que falta em Portugal nessa esfera. Ou seja, consagrar a ideia de solução política que Ésquilo apresenta na Oresteia: uma solução que interrompe o ciclo da desconfiança entre crentes que professam diferentes religiões - para obter uma certa paz interior presente na reconciliação. A Fundação Caloust Gulbenkian que tem muito dinheiro e petróleo seria o local ideal para discutir, pacíficamente, essa reconciliação entre aqueles que rezam ajoelhados olhando para o altar e aqueles que rezam com o rabo virado para Meca. PS: Muitos de nós já sabem que a maior parte das religiões tem integrado o ciclo da violência, legitimando-a como vontade de Deus. Há que romper com esta falsificação do Eu e não envolver Deus nestas "cegadas" que depois são resolvidas ao tiro e à bomba matando milhares de inocentes. Dedicamos estas palavras ao politólogo falecido recentemente Samuel Huntington que, caso fosse vivo, haveria de dizer das boas a este "ponto" que é o nosso cardeal.
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