quinta-feira

O que quer D. José Policarpo?

As declarações de D. José Policarpo são contundentes, incisivas e, revistas ao longo do dia pelo bombardeamento dos media - que parasitam as emoções e os sentimentos das pessoas em doses cavalares, denotam algum planeamento de comunicação e desejo que provocar um impacto na sociedade, em especial na Comunidade muçulmana em Portugal (40/50 mil almas), com quem o diálogo, como referiu o Cardeal Patriarca - tem sido insignificante. Nas suas declarações D. José adverte para a limitação de direitos resultante duma contracção de matrimónio com muçulmanos, mas nas suas homilias essas questões não têm sido objecto de tratamento especial. De igual modo, nunca vi D. José especialmente preocupado com a violência doméstica nos lares de maior risco em Portugal, colocando-se ao lado das mulheres batidas e violentadas pelos maridos (católicos) que, por vezes, se comportam de forma mais violenta do que certas práticas islâmicas - que enquadram a mulher como um objecto sem autonomia e vontade, de tudo dependendo duma autorização expressa do marido. De facto, tudo isto é muito mais complexo do que possamos pensar, pelo cruzamento de variáveis culturais, jurídicas e religiosas que se misturam, mas a tertúlia é um género que escapa ao estilo de D. Policarpo, as suas declarações (desgarradas) de um contexto específico também, de modo que o cardeal quer algo, só ainda não sabemos o quê.
Portugal e os media vivem de declarações e factos sem guia e qualquer consequência: há dias o "puto-maravilha" estampou um Ferrari e logo se disse tratar-se dum milagre (foi notícia); no day-after o milagre (merecido) aconteceu, e Ronaldo foi eleito o melhor do mundo (foi notícia); ontem foram as declarações desgarradas do cardeal (foi notícia).
Portugal vive destes espasmos nervosos, epifenómenos duma doença maior a que hoje a Civilização assiste de forma impotente e até imbecil. Mas a civilização (já) não é notícia. Em seu lugar as televisões mostram um D. José em tertúlia - parecia um animador de festa num Lar de 3ª Idade - para angariar fundos para construir uma Igreja e um cemitério - com a mãosinha sapuda a amaciar o peito e a advertir os tugas que os mouros são uns velhacos porque batem nas mulheres e são poligâmicos. Isto, senão é ridículo, mete dó. E o mais curioso é que aquele mesmo diagnóstico ao "mouro" assenta que nem uma luva a certos maridos portugueses (católicos) que também mancham as estatísticas da violência doméstica - que o cardeal terá, doravante, de passar a denunciar nas suas homilias.
D. José que me perdoe...
Pela minha parte, pelos magros recursos que vou dispondo, recuso-me a ver e interpretar o mundo segundo a leitura que os outros me querem impôr ou a tv me serve.
A verdade é sempre aquela "meretriz" construída e reconstruída de múltiplos ângulos, e quando supomos já ter esgotado todo o campo de possibilidades, surge uma abelha no ar com um zumbido estranho..., que ainda não sabemos o que é.