sexta-feira

Oitava acima - por António Vitorino -

O sublinhado é nosso.
António Vitorino
Jurista
Em tempos de crise económica e financeira global, as dúvidas e incertezas afirmam-se de forma mais pronunciada e por vezes até radical. A gestão das expectativas torna-se, por isso, mais difícil para quem governa e para quem está na oposição.
Após três meses de resposta à crise financeira, a opinião pública já tirou duas conclusões: por um lado, a crise do sistema bancário comunicou-se à economia real, sendo inevitável um período de recessão cuja duração se ignora, e, por outro, tendo sido tomadas medidas visando a estabilização dos mercados financeiros e dos empréstimos interbancários, estas tardam em produzir os efeitos esperados.
O sentido essencial das medidas tomadas a partir de meados de Outubro no espaço europeu é o correcto: recapitalização dos bancos, cortes nas taxas de juro de referência, intervenção cirúrgica nas instituições em risco de colapso. A taxa Euribor respondeu em conformidade com as expectativas, mas os empréstimos interbancários e a injecção de dinheiro na economia real mantêm-se aquém do esperado.
Perante o espectro da recessão, os governos adoptaram medidas de estímulo directo, designadamente às pequenas e médias empresas, bem como reforçaram os mecanismos de protecção social. Teria sido desejável que a resposta europeia fosse mais intensa, focalizada e mais bem coordenada, mas o sinal que foi dado aos agentes económicos indicia não apenas uma prioridade política (sustentar o crescimento e o emprego, em linha com a Estratégia de Lisboa) mas também uma decisão de acomodar dentro de limites mais flexíveis estas medidas de estímulo no Pacto de Estabilidade e Crescimento, aceitando a ultrapassagem dos 3% de défice orçamental.
O problema é que as crises se desenvolvem em cascata e a um ritmo acelerado enquanto as medidas de estímulo à actividade económica exigem mais tempo para produzirem a diferença em termos perceptíveis para o conjunto dos cidadãos.
Os programas económicos de emergência tiveram esta preocupação central: centrarem-se num elenco de medidas de aplicação no curto prazo, para assim responder às previsões de uma recessão económica durante o ano de 2009.
Este ambiente político gerou também algumas mudanças no posicionamento das forças partidárias e na forma como condicionam as expectativas dos cidadãos. Em alguns países, a resposta determinada à crise beneficiou os detentores do poder (Inglaterra, França), noutros, os governos conheceram quebras de apoio e popularidade (Grécia e Irlanda, por exemplo). Não há pois uma regra universal na matéria.
Entre nós as oposições rapidamente viram na eclosão da crise uma hipótese de ouro de debitarem os seus efeitos ao Governo.
À esquerda, vendo na crise o desmentido das políticas alegadamente moderadas e "de direita" do Governo, acelerou-se a questão da "identidade" do PS. A operação em si visa mais consolidar o voto de protesto do que propriamente construir uma alternativa consistente. A crítica (muitas vezes demagógica) às medidas de estabilização do sistema bancário e financeiro sempre se dispensou de abordar esse pequeno "detalhe técnico", de quais seriam as consequências de um colapso de uma, duas ou mais instituições financeiras numa economia periférica e muito endividada como a nossa.
À direita, por seu turno, a aposta inicial de colocar o Governo no pelourinho da crise saldou-se num erro de cálculo que não era difícil antecipar: a dimensão generalizada da crise casava mal com a tese da responsabilidade exclusiva ou principal do Governo português. Demonstrada a improcedência desta estratégia, a recalibragem do tiro oscilou entre algumas tentações demagógicas (como, por exemplo, no que concerne às garantias dispensadas a algumas instituições bancárias) e cobrir com alguma vozearia e um tom crítico quanto aos processos adoptados o reconhecimento de que não há muita margem para responder de forma diferente à crise.
Uns e outros, à esquerda e à direita, subiram uma oitava no tom das críticas, até parecendo que as eleições são já amanhã. Logo, menos pela substância e mais pelo tom, o ano de 2009 promete!
Obs: Divulgue-se com três notas em anexo:
1. Lembram-se da Estratégia de Lisboa dinamizada por António Guterres (2000)
2. Alguém pode fornecer o detalhe técnico ao poeta M. Alegre - cuja biblioteca não contempla manuais de Economia & Finanças - depois perde-se nas banalidades do homem-massa como lhe chamava Ortega y Gasset.
3. A pressão dos acontecimentos e a sede de poder deste PSD faz com que a lei do tempo real sofra uma contracção einsteiniana - a fim de se acomodar ao tempo psicológico conforme aos desejos e expectactivas da oposição.
A história repete-se: os que estão no popder acham legítimo continuar, os que estão na oposição desejam subir a cadeira do poder.
É legítimo que assim seja, mas com esta oposição ansiosa e pouco produtiva é melhor pensar duas vezes e olhar bem para a lei do tempo.