terça-feira

O sono era um monstro...

... Apoiado em muletas, dizia Salvador Dali - talvez influenciado por Freud - com quem conviveu.
Mas em Portugal, a principal figura do Estado, aquele que ocupa o vértice da pirâmide do poder e chefe supremo das FAs - ocupa boa parte do seu tempo preocupado com um Estatuto insular - que é um "doce" para juristas, mas nada diz aos milhares de portugueses que estão desempregados, aos empresários que hesitam entre abrir falência e continuar a endividar-se, aos milhares de portugueses que fazem uma terrível ginástica para assegurar a prestação da casa ao banco e aos jovens licenciados que terminaram os seus cursos e as caixas dos supermercados - entre outros trabalhos menores - acabam por ser a tábua de salvação para não continuarem a viver em regime de CP (casa dos pais) - o que retarda e amputa a taxa de natalidade e envelhece este nosso querido Portugal.
Mas com este passivo, com este capital de queixa cavaco não está preocupado. Lamentável.
Eis alguns dos problemas sociais dos portugueses, e em vez de verem o PR a ir à TV fazer um comunicado informando o país que conseguiu, em virtude da sua imensa carteira de contactos políticos internacionais feita ao tempo em que foi PM, de um novo investimento por parte de uma multinacional que empregará 2 mil trabalhadores qualificados, aumentando a competitividade da economia portuguesa melhorando também a performance das nossas exportações, aquilo que os portugueses vêm é um PR, com um ar muito enjoado, fazer comunicados à nação sobre o Estatuto jurídico dos Açores.
Na época de excepção em que vivemos, em que os portugueses passam por tantas privações, isto é aviltante para a dignidade colectiva e só reforça a sua crença de que os políticos que têm apenas se preocupam com as aparências e os poderes formais de que são titulares - marginalizando a busca de soluções sociais e económicas alternativas que melhorem as condições de vida dos portugueses, potenciando a sua liberdade de escolha - que é o verdadeiro objectivo do desenvolvimento. Com melhores serviços sociais, de saúde, de educação - interligando todas estas oportunidades sociais num sistema mais personalizado e transparente.
Ora, no discurso de Cavaco nem uma única vez se ouviu a palavra desenvolvimento, modernização, crescimento, emprego (ou empregabilidade), coesão social, combate à pobreza, redes de comunicação, etc.
Cavaco é um político do séc. XX - fechado na sua torre de marfim, recebendo as cartas do zé povinho em Belém, denunciando a sua pobreza nos media, ecoando as suas privações mas, na realidade, na prática, na substância das coisas - cavaco pouco ou nada faz para potenciar o crescimento e o desenvolvimento dos portugueses. Discursos e mais discursos é a especialidade do actual locatário de Belém.
Cavaco anda mal aconselhado, e quando pensa por si assemelha-se a Ferreira leite, denunciando uma visão limitada, sectária e provinciana do país e da sociedade, mas o que os 10 milhões de portugueses precisam é de alargar o seu leque instrumental de liberdade de escolha - que hoje não existe, nem cavaco tem contribuído para que exista.
A resposta que Cavaco encontra - em final de ano - para dar aos desempregados, aos empresários em dificuldades, à classe média-baixa que em Portugal constitui a maioria das pessoas - é o Estatuto dos Açores. É com esse estatuto que os tugas vão arranjar empregos, pagar as prestações da casa ao banco, comer e beber, comprar roupas e garantir bem-estar.
Por este andar, ainda acabo por votar no poeta Manuel Alegre nas próximas eleições presidenciais. Dezenas de pessoas que conheço - que votaram Cavaco nas últimas presidenciais - hoje afirmam já não o fazer.
Porque a perspectiva de liberdade da autoria do sr. PR acerca dos fins que escolhe para presidir a Portugal e desenvolver a nossa sociedade é tão processual e segmentária que nem uma sociedade de grilos gostaria de viver assim no rectângulo.
O rectângulo do estatuto dos Açores. Para um país que enfrenta hoje sérios problemas sociais, económicos e financeiros - isto, no mínimo, é tão lamentável quanto ridículo.