segunda-feira

Cavaco e o discurso de Ano Novo. O doutrinador

Esteve bem hoje Cavaco ao sublinhar a importância da "autonomia revelada por alguns dos nossos empresários e a sua tendência para o encosto ao Estado têm sido muito nocivas para a economia”.
Ao falar assim, Cavaco está a defender uma sociedade civil mais forte, como na América, em que os agentes económicos e sociais pouco dependem do Estado para realizar os seus projectos. Mas, curiosamente, durante 10 anos em S. Bento, na qualidade de PM, não foi essa a tese vingada pelo chamado cavaquismo. Antes pelo contrário: o aumento do peso do Estado na sociedade só burocratizou a sociedade, os boys laranjas foram uma marca negativa que subtraiu valor e qualidade à política, a criação de departamentos públicos e de dezenas de institutos foram uma marca do cavaquistão - que Guterres e depois Sócrates tentaram reduzir na reforma (possível) do Estado - extinguindo inúmeros desses organismos públicos que eram um sorvedouro de dinheiros públicos sem nenhuma contrapartida para a sociedade, apenas um "encosto" para a máquina laranja - que hoje Cavaco - já em Belém, critica, e bem, em algum empresariado. Os tempos mudam, as pessoas mudam de ideias e tudo na vida é relativo, excepto a morte...
Mais vale tarde do que nunca. Registe-se, pois, a evolução de Cavaco em matéria de pensamento social e político. Hoje defende menos Estado para termos melhor Estado.
Por outro lado, Cavaco, revela confiança "nos jovens empresários. E por isso diz: "não faço visitas de Estado sem levar alguns deles”, referiu o Chefe de Estado após ter manifestado convicção numa alteração de comportamento das novas gerações de empresários.
Estas palavras são sempre muito amáveis e ficam bem, mas se os mecanismos da lei, da qualificação socioprofissional e se o chamado ambiente em torno do qual o mundo das empresas gravita não sofrer uma agilização com vista ao aumento da produtividade e competitividade nos mercados internacionais - os discursos do PR arriscam-se a ter o mesmo valor facial do que os discursos de Américo Tomáz antes do 25 de Abril. São apenas episódios simbólicos, formalidades políticas para preencher calendário, espaços vazios de conteúdo. Tudo para inglês ver. É curto.
Daqui a uma hora Cavaco irá fazer o seu discurso de Ano Novo, e como em Julho último gerou grande expectativa - levando mesmo os portugueses a apostarem no tema objecto do discurso; hoje, é provável que já não se reporte ao Estatuto dos Açores e fale de economia, uma área que gosta, e na necessidade de investimentos públicos em infra-estruturas de que Portugal precisa, não só para crescer e se desenvolver e modernizar, especialamente na sua rede de transportes rodo-ferroviários, como também para manter as PMEs em funcionamento, já que estamos numa fase de estagnação económica em que cabe ao Estado fazer o take-of desses investimentos - que depois serão reforçados pelas parcerias com os privados. O Estado representa hoje a semente da esperança.
Todavia, Cavaco em Belém assume um papel completamente distinto do Cavaco em S. Bento. Desde logo, porque as funções políticas são também distintas, mas também porque Belém permite ao seu locatário, porque não tem funções executivas, dar margem para ser um actor político doutrinário, querendo estabelecer um sistema de pensamento coerente procurando, com a máxima racionalidade, harmonizar as suas decisões com esse sistema.
Ou seja, Cavaco deseja uma sociedade civil mais forte, com empresários menos dependentes do Estado, e bem, mas, para o efeito, tem também que se opôr a que players da sua linha política (alguns até conselheiros de Estado) se permitam ter interesses cruzados (e perigosos) entre a banca e o Estado - de que o BPN - durante uma década foi um mau exemplo.
Razão por que acho que Cavaco, além de admoestar o grupo parlamentar do PS relativamente ao Estatuto dos Açores, ou seja, criticar os deputados eleitos pela Nação, irá centrar-se naqueles que são os desafios económicos e sociais dos Portugueses para 2009, em particular a forma como o OE - pode ou não ser melhorado e ajustado para minorar esse passivo social (desempreo, pobreza, marginalidade, conflitualidade social, falências de PMEs, etc).
Se assim for, Cavaco regressará à sua intenção inicial presente na sua fórmula de cooperação estratégica com o Governo. Se, ao invés, enveredar por desancar no Governo sem critério, entrará pelo caminho do oportunismo e do cinismo fáceis - que também não são seu apanágio. Ainda que todo e qualquer político navegue ao sabor da ditadura das circunstâncias - cuja importância condiciona as decisões a tomar a formata a conduta dos políticos.
Como o ano de 2009 é tão difícil quanto incerto e socialmente problemático - tenho para mim que Cavaco usará do seu habitual taticismo, da sua velha prudência, falando o indispensável. Mitigando ameaças veladas com reconhecimento das dificuldades, mas como não há receitas miraculosas nem teorias económicas e sociais que nos façam sair deste impasse - que é mundial e europeu - com a economia a teimar em não fazer o seu take-of por falta de confiança nos mercados (retraindo o investimento, a procura, o consumo e todos os indicadores que mandam na economia que não passa dum jogo de expectativas) - é natural que Cavaco flexibilize a sua postura com o Governo e consiga dar uma imagem de homem de Estado verdadeiramente preocupado com todos os portugueses, mormente os mais desfavorecidos, e não apenas com aqueles que nele votaram - que hoje, certamente, são em menor número quando o elegeram.
À possibilidade de um Cavaco lutador, oportunista e cínico, creio que o discurso de Belém, atentas as dificuldades macroecononómicas da Europa - e de cada espaço nacional invidualmente considerado - converge no sentido de uma mensagem conciliadora, doutrinária, procurando cerrar fileiras para potenciar a motivação colectiva dos portugueses e, desse modo, arranjarmos todos forças para superar as limitações que hoje nos tolhem e amanhã sairmos de cabeça erguida na empresa, no Estado e na vidinha de cada um de nós: 10 milhões de homens e mulheres plantados neste rectângulo, neste nosso querido Portugal.