quarta-feira

Cavaco-sitiado

Cavaco Silva arrancou com o seu mandato presidencial em pleno consenso: Sócrates e o Governo andavam com ele ao colo, o que deu azo até a um "sukete" do Gato fedorento pondo Belém e S. Bento trocando mimos para sinalizar essa excelente entreajuda. Eram tão amigos tão amigos que nem uma guerra civil os separaria.
Depois Cavaco viu-se confrontado com a sucessão de Luís Filipe Meneses no PSD, o tal que julgava poder sentar-se no cadeirão de S. Bento encomendando uns serviços às agências de comunicação - cuja missão era embrulhar Meneses num papel de embrulho de 5* e, assim, convencer o eleitorado de que se estava perante um George Clooney da política à portuguesa.
Infelizmente, a realidade foi outra, e Meneses - que desceu do Norte para a Lapa pensando conquistar Portugal do Algarve ao Minho - passando por Timor-Leste - foi recambiado para Vila Nova de Gaia a toque de caixa. Para o seu lugar foi Manuela Ferreira leite, a fada má do lar, uma pupila de Cavaco que se dizia perceber de finanças (qual "Cavaco de saias") - que este se esforçou por ajudar, dando-lhe a mão, o pé, o braço, o antebraço, a coxa até que percebeu que Leite era uma politica kamikase em quem não valia a pena investir. Ou seja, Ferreira Leite é um nado-morto, o seu peso sobre os ombros de Cavaco representa um fardo superior ao passivo do BPN com o seu conselheiro à ilharga. Persistir no apoio a Manela seria acelerar um afundanço colectivo e morrer na praia. E isso Cavaco não queria.
Como se vê, Cavaco está sitado. Para onde quer que se vire, em busca de O2, inspiração, motivação, apoios só encontra paredes d'aço, lâminas e tanques repletos de alcóol. Ninguém o ajuda, mesmo quando as intenções não visam minar-lhe o terreno ou sabutar-lhe os planos, se é que os tem.
Os seus assessores ou o enganam ou Cavaco não os entende ou, pura e simplesmente, o PR não ouve ninguém no solipsismo do poder. Medina Carreira - ex-mandatário, ex-ministro das Finanças e especializado em catastrofismo social e económico virou entertainer na tv de Balsemão. Não é ajuda para Cavaco. Por cada boca de Medina debita a cotação das acções em bolsa tendem a desvalorizar-se. É um espanta investidores. Há já quem lhe chame o "espantalho de Belém". Tal como fez Cavaco há uns anos quando disse o que disse - que os portugueses não deviam comprar gato por lebre... Belmiro enriqueceu. O que me leva a supôr que aprenderam todos na mesma Escola de Economia alí ao Quelhas...
Sitiado pela líder do PSD, Ferreira leite, anomizado pelos assessores, desnutrido pelos conselheiros (quando não é Dias Loureiro a abir uma cova - é Marcelo a desautorizar publicamente Cavaco no seu tempo de antena dominical) resta a Belém - Paulo Rangel, o gongórico líder parlamentar cuja missão na vida política é servir de almofada aos dislates de Ferreira Leite. Foi assim com a política de investimentos públicos (Não, Sim, Nim) e verificou-se agora com o volte face relativamente ao Estatuto dos Açores, em que após o PSD ter votado favoravelmente o referido Estatuto no Parlamento (ao lado do PS e dos outros partidos) - se absteve para se alinhar com Cavaco (ao fim do 2º veto) e, assim, não se revelar desagradável com Belém.
Mas já foi tarde, o mal já estava feito e os portugueses perceberam a cambalhota e a hipocrisia política do PSD e do melífluo Paulo Rangel em particular. Uma cambalhota maior do aquela que Marcelo deu ao criticar o nome de Santana para a capital - e agora, só porque é o menos mau dos piores candidatos, veio ratificar o seu nome para a autarquia. É pena que Marcelo não tenha - ele próprio - avançado para essa luta política, até poderia dar outro um mergulho no rio Tejo como take-of para a campanha autárquica.
Cavaco, de facto, está rodeado de inimigos políticos, de pessoas que lhe colocam pedrinhas, pedras e pedregulhos no caminho. Cavaco vai-se desviando de algumas, mas por vezes cai, como ora se constatou ao desafiar a maioria rosa através dum psicodrama que encenou através dos media televisionados a 31 de Julho último. Se no passado - em S. Bento - alguns desses psicodramas tinham eficácia junto da oposição e da opinião pública, hoje, em Belém, investido noutras funções e para as quais não tem nem jeito nem perfil, Cavaco acaba por se denunciar e deixar o "rabo à mostra", como diz o povo.
Ante este cenário, pergunta-se: o que resta a Cavaco?
Procurar restabelecer a cooperação estratégica com o Governo. Rezar para que o PSD nos próximos anos consiga arranjar um líder de jeito. E, já agora, ter um projecto credível e uma identidade - de modo a que aquilo não se pareça com um albergue espanhol, que sempre foi. Pedir a Paulo Rangel que não seja mais papista que o Papa, senão Jaime Gama e Cavaco terão de dizer: "ó mãos de manteiga, deixas sempre cair tudo pá..."[link]
Já agora, repensar o leque de assessores disponíveis a fim de enriquecer o processo de tomada de decisão, passar a ouvir outros conselheiros, não aparecer em público ao lado da srª Ferreira leite - porque isso cola em Cavaco uma imagem de ausência agravada de democracia - que a actual locatária da Lapa propôs como forma de fazer reformas no País e mais uns etcs.
Alguma media, como o Público do sr. José Fernandes, não bastam para fazer um bom majistério presidencial. Que só se realiza com ideias inovadoras, com ligações à sociedade que sejam coadjuvantes de projectos competitivos, com uma relação mais interactiva com o Governo e com os centros de decisão empresariais. E também com uma ideia e uma visão para Portugal neste 1º quartel do séc. XXI.
Mas com as limitações políticas que Belém hoje enfrenta, esvaziando Cavaco boa parte da autoridade que tinha no exercício das suas funções, arrisco-me a dizer que, por ironia do destino, Cavaco tem hoje como aliados pessoas fracturantes: Al berto João Jardim da Madeira é um deles. O que lhe chamou "sr. Silva", foi o mesmo que agora o apoiou. Irónico. Mas, convenhamos, as expectativas que Cavaco desencadeou nos portugueses quando arrancou com a sua campanha presidencial, gerou um élan que hoje manifestamente não existe na sociedade portuguesa.
Receio mesmo que Mário Soares ou, como extrema ratio, o poeta Manuel Alegre, fariam um melhor desempenho do que Cavaco tem tido nestes dois anos de mandato. E Cavaco, em boa medida, sabia disso: ele tem um perfil mais executivo do que presidencial. Não se sente confortável naquele papel.
E a natureza das coisas, assim como a natureza das pessoas, não se altera com um estalar de dedos...
A consumação do Estatuto dos Açores foi um excelente (e fracturante) laboratório político, um momento intenso de experimentalismo em que Cavaco averbou a maior derrota política e sofreu o maior abalo psicológico em toda a sua carreira pública.
O Estatuto insular, além de ter esmagado Cavaco, pôs também a nú a própria perenidade e evanescência do poder. Hoje, curiosamente, e passe o paralelo, ninguém já quer cumprimentar G. W. Bush nos fora internacionais onde tem que ir para cumprir calendário.
Nem o próprio Durão Barroso - que beneficiou da sua ajuda politico-diplomática no quadro da Cimeira dos Azores (para fazer a guerra ilegítima e ilegal ao Iraque) para se fazer eleger Presidente da Comissão Europeia - lhe estende a mão para o cumprimentar.
Por este andar, receio que a teoria do homem-cato se comece a colar a Belém, posto que ela já é uma realidade com a actual presidente do PSD que Cavaco não se cansou de apoiar - até perceber que Ferreira Leite é uma política-kamikase.