terça-feira

Miguel de Cervantes e o "Estatuto" do artista. Santana no seu melhor...

Não raro a frustração assalta-nos: na economia, na sociedade, na política. Não há área em que não ocorram frustrações, quando o técnico, o político, o artista desenvolve noções que depois entram em desacordo com a realidade que visava explicar. Naturalmente, este gap gera ânsias e frustrações nas pessoas. De resto, as pessoas felizes nunca têm fantasias, só os insatisfeitos, como diria Freud.
E o artista, para evocar Miguel de Cervantes, é ecce hommo que está em desacordo com a vida, porque a concebe de modo diferente daquele que ela é na realidade. Aqueles que se conformam com ela são, no dizer de Virginia Woolf, os silenciosos, e destes não reza a história.
Decorre isto do facto de Dom Quixote ser o símbolo clássico, imortal do artista em desacordo com a realidade. Do mesmo modo que não se consegue chegar a um acordo na política, e o caso flagrante do Estatuto dos Açores revela o ponto a que chegou o absurdo da política em Portugal (com tanto irracionalismo, de parte a parte), do mesmo modo que também não se consegue chegar a um acordo com a rotina da vida vulgar. Quando se identifica este limite, esta finitude - é quando se abre a porta para criar um mundo imaginário próprio, que cada um de nós, no plano pessoal e/ou institucional - acaba por criar.
E criando esse universo imaginário acentua-se o afastamento da realidade. A delusão de D. Quixote nem sequer é uma caricatura exagerada da auto-desilusão do artista, mas uma tentativa de ajustar o mundo às reivindicações de um indivíduo que reage contra a realidade intolerável através de ideias imaginárias.
Ora, tanto o artista como o louco preferem sacrificar o mundo em vez das suas próprias pretensões ou, como preferem chamar-lhes, ideias. Aquilo que creio ter-se passado no lamentável e até ridículo caso em torno do Estatuto dos Açores foi a derrota da razão perante os comandos dos caprichos e dos egos políticos inflamados que atingiram todos os absurdos.
E aqui temos de ser sérios: Cavaco esteve mal porque deveria ter solicitado o diploma/Estatuto dos Açores ao TC para que este expurgasse as normas inconstitucionais nele inclusas; e o grupo parlamentar do PS na AR deveria ser mais humilde e não converter a maioria em supremacia que, a prazo, pode sofrer de um efeito de boomerang político. Embora tenha sido Cavaco que tivesse averbado a derrota política (imediata) é, doravante, a maioria de deputados no hemiciclo que joga à defesa na aprovação de futuros diplomas com os quais Belém pode "querer" implicar, nunca se sabendo, verdadeiramente, qual ou quais deles o são por vontade autêntica ou qual ou quais deles resultam de mera implicância política de Belém - ainda que adornado pelos sistemas intelectuais de justificação usados para dourar a pílula. Logo, o confusionismo e a litigância política em Portugal tenderá a aumentar em 2009.
Esta falta de equilíbrio no jogo de poderes constitucionais levou a que o artista se afastasse mais da realidade, a distância que separa hoje a realidade interior da realidade exterior em Portugal aumentou, aumentando o fosso entre o que os actores políticos pensam e fazem, projectam e realizam. É esta falta de autenticidade entre os homens - que hoje alastra ao sistema político - que gera desconfiança nas pessoas e nas instituições, uma fronteira que hoje se agrava em virtude da grave crise de recursos económicos, morais e espirituais que nos encostam à parede - alimentando um universo de fantasias e de fantasmas que nem sempre culminam em grandes obras d'arte.
Por vezes, até o subproduto dessas fantasias conduz a sérias crises políticas que, quando encadeadas com graves crises sociais, económicas e financeiras, criam o molotov explosivo para que passemos a andar todos algemados na nossa própria terra.
E assim fica sempre mais difícil qualquer artista pintar o povo que somos ou retratar os homens que já fomos. Se é útil que o artista se afaste um pouco da realidade, para poder criar e recriar com melhor perspectiva, é bom que esse afastamento não seja radical, sob pena de rompermos equilíbrios sociais importantes que não se restabelecem em duas penadas.
O ridículo Estatuto dos Açores, de que daqui a uns meses já ninguém se recordará, nem o próprio PR, evocou-me a história do artista que entra em desacordo com a realidade. O que também foi uma maneira simpática de evocar Miguel de Cervantes e D. Quixote - que tem andado um pouco esquecido.

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Nota prévia:

UM EXEMPLO DE LOUCURA POLÍTICA NA CAPITAL, UM CASO EM QUE O AFASTAMENTO DO "ARTISTA" DA REALIDADE É GROSSEIRO.

Santana - que gerou a dívida e agravou o buraco financeiro na capital entre outras trapalhadas urbanísticas - propõe-se agora sanear a autarquia, e com a ajuda de quem? - Do Governo.

Ensandeceu.

Para modelo urbanístico - a dupla-maravilha Santana-Carreras - elege Berlim Leste.

Se isto não é um exercício puro e aplicado de demência política na capital, é melhor chamar a polícia que eu não pago...

Com jeitinho ainda integram o deputado Bernardino do PCP - e acabam todos em Pyongyang a tirar as medidas aos centros culturais locais para reproduzir nas avenidas novas.

Hoje o espaço para a fantasia é limitado. A realidade psíquica e política de Santana e seus muchachos ultrapassa sempre a ficção.

É a loucura total no psd de Manela.

PSD prepara programa para Lisboa, in DN

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A renovação urbanística que se fez em Berlim-Leste é um exemplo para o PSD/Lisboa, que, no programa eleitoral com que se vai candidatar às próximas autárquicas, pretende "ver o que os outros fizeram bem" e depois aplicar. "Não são projectos ideológicos", afirma Carlos Carreiras, o chefe do PSD de Lisboa e o principal impulsionador da candidatura de Pedro Santana Lopes à CML.

A primeira prioridade será, contudo, o saneamento financeiro, um drama que "decorre de um tempo anterior à gestão do PSD na câmara". Sem este problema resolvido, qualquer programa "será mera demagogia" e o PSD pretende obrigar o Governo a resolvê-lo, pelo menos parcialmente: "É preciso chamar o Governo à responsabilidade que tem na capital."

Para o partido de Santana Lopes, a cidade deve desenvolver-se com uma estratégia de fixação de "tecnologia", "talento" e "tolerância". Lisboa foi ultrapassada por Barcelona, Valência e Vigo nos campeonatos regionais de cidades e o PSD conta arranjar um programa para travar o avolumar do fosso. [...]