segunda-feira

Os militares na sociedade portuguesa - por Francisco Sarsfield Cabral -

Os militares na sociedade portuguesa, in Público, 17 Nov./08
Lembrando que a Costa Rica vive há 60 anos sem Exército e sem ameaças de golpe de Estado, Manuel António Pina escreveu no Jornal de Notícias do passado dia 5: “Talvez seja altura de também nós repensarmos para que precisamos hoje de Forças Armadas” (FA). Dois dias depois, no PÚBLICO, José Miguel Júdice lembrava a sua tese de que “o Exército e a Força Aérea seriam dispensáveis, mantendo-se apenas uma guarda costeira, uma força de intervenção rápida, forças militarizadas e de segurança e meia dúzia de oficiais generais”.
Tratando-se de dois destacados comentadores, estas posições merecem atenção. Surgem de uma certa irritação com as reivindicações corporativas dos militares. É que estas envolvem ameaças implícitas de empregar armas para impor as suas exigências, o que só militares podem (mas não devem) fazer.
O problema, porém, ultrapassa a esfera reivindicativa. Estou convencido, e já o tenho dito, de que num eventual referendo sobre as FA uma grande percentagem de portugueses, porventura maioritária, optaria pela sua inutilidade, preferindo uma situação do tipo da Costa Rica.
Os militares perderam peso na sociedade portuguesa. O séc. XIX e boa parte do séc. XX estiveram cheios de golpes e intentonas militares. O 25 de Abril, tal como o 28 de Maio de 1926, foi obra de militares. Com a diferença de que o 25 de Abril trouxe a democracia e, com ela, a subordinação do poder militar ao poder político eleito. Por isso os militares, tendo mandado no país desde 1974 até à extinção do Conselho da Revolução (na revisão constitucional de 1982), saíram do palco e regressaram aos quartéis. E a entrada de Portugal na Europa comunitária em 1986 afastou, felizmente, a hipótese de novos golpes militares para derrubar governos ou o próprio regime.
Entretanto, um exército numeroso, formado com vista à guerra colonial, foi-se reconvertendo num corpo mais reduzido e um pouco melhor equipado em armamento moderno. E do serviço militar obrigatório passou-se a FA profissionais, como aconteceu em tantos outros países. Excepto a nível dos oficiais (onde ainda se faz sentir a herança do passado), não há gente a mais na FA, ao contrário do que diz J. M. Júdice. Há gente a menos, pois o número de candidatos à profissão militar tem ficado sistematicamente abaixo dos objectivos.
A passagem à profissionalização contribuiu para que a condição militar passasse a ser encarada como um emprego igual aos outros. E não se vislumbra qualquer ameaça militar a Portugal. Para que servem, então, as FA? A opinião pública começa a achar que servem para pouco ou nada. Esta desvalorização dos militares reflecte-se nas suas remunerações, que vão ficando para trás das de outros servidores do Estado. E também se reflecte nas insuficiências de equipamento das FA.
É grave a crescente incompreensão do papel dos militares num Portugal democrático. Nenhuma instituição como a militar simboliza e assume a identidade nacional. As FA constituem o último recurso do Estado quando tudo o resto falha. E, hoje, a afirmação de Portugal no mundo depende muito das missões no estrangeiro, em conjunto com militares de outros países. Em tempo de integração europeia e de globalização, as FA não deixam de ser um garante de soberania – ainda que, muitas vezes, exercida em comum com os nossos parceiros. Acresce que, como recentemente lembrou Manuel de Lucena na Renascença, a “era Obama” vai exigir um maior empenhamento militar por parte dos aliados dos Estados Unidos.
Torna-se, assim, lamentável a desvalorização da condição militar na sociedade portuguesa. Esta não é uma profissão como as outras, pois envolve riscos e impõe restrições de direitos a que as demais profissões não estão sujeitas. Os políticos são os primeiros responsáveis pela desvalorização dos militares, com excepção dos Presidentes da República (nomeadamente do actual), talvez por serem comandantes supremos das FA. Tirando um ou outro discurso de circunstância, não se vê da parte dos governos e dos partidos qualquer empenho numa pedagogia sobre o papel e a importância nacional das FA. Assim, não é de espantar que em influentes comentadores e na opinião pública comece a crescer a ideia de que os militares apenas servem para gastar dinheiro dos contribuintes e arranjar sarilhos. Uma ideia perniciosa, que importa contrariar.
Francisco Sarsfield Cabral Jornalista
Obs: Medite-se.