quinta-feira

Os media e a política

Mais uma vez recorremos a Nicolau e à sua biblioteca para debitar um conjunto de generalidades sobre a política e a comunicação no nosso tempo. Sobretudo porque estamos todos vivendo, simultaneamente, um período de grande turbulência e incerteza económica acompanhado de momentos eleitorais. Os EUA vivem hoje intensamente essa vertigem, portanto tudo aquilo que se pensa, diz e escreve conta no balanço final que visa saber quem irá ocupar a Sala Oval e passar a mandar, ou melhor, coordenar os esforços para influenciar os destinos de boa parte do mundo.
Portanto, esta aceleração da mediatização, a que Portugal também não escapa, enfia os cidadãos-eleitores-telespectadores numa espécie de túnel da vida pública que nos obriga a todos a um aumento de conhecimento, alargamento da capacidade de expressão e análise, a uma dependência relativamente aos acontecimentos políticos e, por todas essas razões, a alterações do nosso comportamento socioeleitoral. Ou seja, muitas das pessoas que inicialmente colocavam reservas a Barack Obama - hoje já dissolveram essas dúvidas em função daquilo que têm visto nele e no seu programa político para a América e para o mundo. Pelo caminho, certamente, também haverá alguns desiludidos, mas creio que esses se colocam hoje mais sobre o outro lado da barricada, que directa ou indirectamente seguiu e ratificou as políticas desse grande idiota planetário em que se transformou em W., segundo Oliver Stone. (cfr., post infra)
Por outro lado, estas eleições nos EUA, e aproveitando os trabalhos de McCombs e D. Shaw acerca dos conteúdos dos media e a opinião dos eleitores sobre temas que lhes pareciam importantes em finais da década de 60 do séc. XX nos EUA - permitem concluir que os media, mediante a selecção de informações, desviavam a atenção do público para certos temas em detrimento de outros. Apesar de a actual campanha nos EUA não sofrer muito desse mal. Todavia, a influência dos media não consiste em dizer às pessoas o que devem pensar, mas aquilo em que devem pensar, dado que são os media que fixam o calendário e hierarquizam as notícias que depois são objecto de discussão pública, e fazem perder ou ganhar causas, projectos e mobilizar os eleitorados num e noutro sentido.
Ou seja, os media têm uma dupla capacidade, por um lado reforçam as nossas convicções num dado candidato ou projecto, mas também têm a capacidade de nos perturbar - mediante nova informação - que acaba por questionar o que pensávamos acerca de determinado projecto ou candidato, daí a importância do estudo do impacto dos media nos eleitores, em todos nós, afinal.
Recuperemos um pedaço de história seguindo os estudos de Gladys Lang: na década de 60 do séc. XX - estudou um universo de 95 cidadãos nova-iorquinos, e o impacto que neles teve os quatro debate televisivos entre Nixon e Kennedy sobre os indecisos. A sua análise revelou uma mobilização a favor de Kennedy, visto como o candidato mais dinâmico e promissor.
Isto revela, por outro lado, que não podemos dizer que a televisão faz uma eleição, mas contribui decisivamente para o seu resultado final. Como? Ao convencer os indecisos, pessoas que não gostam da política ou dela se encontram afastados pelas mais variadas razões, de apatia e indiferença ou até profunda descrença (e desprezo) dos eleitores relativamente aos políticos por estes nunca realizarem aquilo que prometem nas campanhas eleitorais.
Portanto, os eleitores há muito descobriram que os políticos e candidatos ao lugar não são deuses, são pessoas com inúmeras limitações. No 1º debate os partidários de Kennedy eram 39; os de Nixon, 33, os indecisos 23 - daquele universo estudado de 95 cidadãos nova-iorquinos. Mas após o 4º debate as intenções de voto alteraram-se: 56 pendiam para Kennedy; 32 para Nixon e 7 continuavam indecisos. Portanto, tudo se alterou...
Esta mobilidade de intenções de voto reflecte o que dissemos acima. E hoje essa volatilidade do eleitorado em função dos media e das capacidades que cada candidato apresenta é determinante para a fixação de um bom resultado.
Naturalmente, nesta nova ordem da comunicação existem inconvenientes que remetem para o risco de simplificação e demagogia das mensagens políticas, o reforço do estado espectáculo, a busca de consensos artificiais que rápidamente implodem, o cinismo e o oportunismo de alianças pré-eleitorais e o estreitamento do debate em prejuízo da discussão de verdadeiras ideias e projectos, uma extrema preocupação com o curto prazo em detrimento do longo prazo.
Todas essas mudanças que hoje vemos e sentimos na arena política, e que são tão visíveis na América de Obama e McCain como em Portugal - dado que aqueles factores de concurso mediático fazem a sua carreira num lado como no outro do Atlântico. Aliás, é assim nas democracias pluralistas e nas sociedades desenvolvidas e post-industriais em que a informação e o conhecimento passaram a ser a regra - são essas mudanças que hoje nos obrigam a repensar a forma como exercemos a nossa democracia e, sobretudo, como relacionamos as nossas ideias e ideais com a democracia de opinião - que privilegia as sondagens e os media - duma forma obsessiva e que, não raro, acabam por distorcer ainda mais a realidade, viciando comportamentos eleitorais que matam a verdadeira democracia.
Portanto, se alguma lição os debates de Obama vs McCain me suscitam (e apesar da minha simpatia recair inequívocamente em Obama) é que, e não obstante a importância galopante dos media, cabe ao desenvolvimento intelectual e crítico de cada um de nós formar a nossa opinião com base em factores e informações que vão muito para além da tv, rádio e jornais. Feitos por pessoas muitas vezes de QI sofrível e que, mesmo sem querer, nos induzem em erro.
O que procuro sublinhar é que muitas vezes temos de fazer como Nicolau Maquiavel, recolher à biblioteca de San Casciano - e encontrar nessa multidão que é a solidão animada pela reflexão crítica profunda e eleger alguns valores e ideias para podermos chegar a algumas conclusões. Ainda que, no final, fiquemos com mais dúvidas...
Mas, pelo menos, sabemos que fundamos as nossas decisões políticas com base na nossa própria reflexão, e não empurrados pelo vento (tantas vezes medíocre) que nos é transmitido pela banha da cobra do tríptico da tv-jornais e rádio piratas deste tempo que passa...