quarta-feira

Eduardo Lourenço, o Tempo e Fernando Pessoa. Fragmento de poesia por José Adelino Maltez

Uma das preocupações intelectuais de Eduardo Lourenço é a reflexão sobre o Tempo. Por razões óbvias deveria ocupar-nos a todos, assim teríamos todos uma justificável razão para não ter tempo, por causa da reflexão acerca do Tempo.
Desse modo, como dizia algures, se o Tempo fosse uma muralha, "podíamos contornar as suas muralhas com os nossos cânticos como Josué diante de Jericó".
Mas "o nada vivo em que estamos" não se deixa subornar pelo imaginário. É ele que lhe dá origem. Daqui Eduardo Lourenço conclui que a poesia de Fernando Pessoa - é impotenete como as demais - para explicar esse mistério do tempo. "Vivemos é em confronto radical com a temporalidade que pode ser vivida, mas nunca verdadeiramente compreendida."
Tal como Fernando Pessoa - vivemos ocupamos pelo mistério do tempo, esse ditador que põe e dispõe, faz e desfaz, antecipa e adia, edifica e destroi. Faz tudo isso sem consentimento prévio. É, assim, uma espécie de ditador democrático incontestável - a quem todos têm a obrigação de obedecer, por isso o Tempo é a referência com maior legitimidade, ninguém escapa ao seu poder, às suas leis e aos seus caprichos - que nos vão assassinando a cara, o cérebro, as mãos, a boca e, a dada altura, também ficamos velhos e decrépitos.
Pessoa tentou neutralizar o Tempo, em certo sentido conseguiu aquilo que nenhum outro poeta no mundo conseguiu. Mas o problema é que nem o Tempo nem a Morte - por serem dois filhos da p.... parecidos - são experiências que jamais poderemos pôr em prática e depois regressar ao burgo e partilhar com os amigos. Nenhum é objecto de verdadeira experiência.
Um dia vamos na rua descontraídos e caí-nos a alma do corpo, como quem deixa escapar uma moeda do bolso roto, e depois acabou-se. Não há mais tempo para ninguém.
Creio que era o José Cardoso Pires, cuja partida faz agora dez anos (lá está, outro que partiu com falta de tempo!!!) que dizia que a morte era uma grande puta...
Pois bem, eu digo, embora com recursos mais modestos e sem tecer comparações que só ficariam mal, que o tempo o maior dos filhos da puta.
Por isso aqui o cunhamos de ditador democrático incontestável (ao qual todos obedecem) - nesse fio da eternidade que nunca chegamos a conhecer.
A dada altura das nossas vidas, podemos recusar o dinheiro, mas reclamamos sempre mais uma fatia de tempo. E até há aqueles, de forma exemplar, que dizem, como Manoel de Oliveira:
  • Em casa falta-me espaço, na vida falta-me tempo.

Deixamos aqui estas notas miseráveis dedicadas a esse grandessíssimo filho da p... que é o Sr. Tempo. Um tipo que nunca se vê, mas é omnipresente e omnisciente.

Se calhar Deus é o próprio Tempo.

Se calhar estou aqui a incorrer num grande insulto ao próprio Criador (do tempo)...

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MOMENTO DE POESIA

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E por falar no Tempo que vai fazendo pelo burgo, é útil dar uma saltada ao espaço de reflexão do José Adelino Maltez, no Sobre o tempo que passa e ler este poema - num dia que arrancou de chuva e agora conhece o sol. Nada hoje é regular, como nas bolsas e nos mercados financeiros, nem nos estados d´alma. Nem os de Luís Vaz..., o 1º dos globalólogos PORTUGUÊS (como diria o Fernando Ferreira) certificado pelo mundo com um saber de experiência feito.
in Sobre o tempo que passa:
Sôbolos rios que vão
por Babilónia m’achei,
onde sentado chorei
as lembranças de Sião
e quanto nela passei.
Ali o rio corrente
de meus olhos foi manado,
e tudo bem comparado:
Babilónia ao mal presente,
Sião ao tempo passado.
Ali, lembranças contentes
n’alma se representaram,
e minhas cousas ausentes
se fizeram tão presentes
como se nunca passaram.
Ali, depois de acordado,
co rosto banhado em água,
deste sonho imaginado,
vi que todo o bem passado
não é gosto, mas é mágoa.
E vi que todos os danos
se causavam das mudanças,
e as mudanças dos anos;
onde vi quantos enganos
faz o tempo às esperanças.
Ali vi o maior bem
quão pouco espaço que dura,
o mal quão depressa vem,
e quão triste estado tem
quem se fia da ventura.
Vi aquilo que mais val
que então se entende milhor
quando mais perdido for;
vi o bem suceder mal,
e o mal muito pior.
E vi com muito trabalho
comprar arrependimento;
vi nenhum contentamento;
e vejo-me a mim, que espalho
tristes palavras ao vento.