O Poder político ante o esmagamento da crise financeira global
Já se percebeu, pelas declarações dos ministros das Finanças por essa Europa fora, que a dimensão da catástrofe financeira ainda nem sequer bateu no fundo, embora haja a determinação de circunscrever os estragos declarando o óbvio: o Estado segura as popupanças dos tugas. É bonito ouvir isto, também tranquiliza, sobretudo num momento em que o mundo tem o revólver encostado à cabeça. A crise bancária, que se agrava com a desconfiança interbancária e a dificuldade no acesso ao crédito com as taxas de juro elevadas - provoca um molotov na economia real que não deixa ninguém descansado: empresas, pessoas, instituições, enfim, a sociedade no seu conjunto, da América à Europa passando pela Ásia e Oceania (aqui menos) está com o coração nas mãos, porque a qualquer momento os bancos onde essas pessoas - all over the world - têm depositados as suas poupanças pode entrar em colapso e não conseguir devolver esses capitais aos respectivos titulares. Numa palavra: a confiança é tudo em economia, quando ela não existe nem o pato-bravo mais afamado consegue crédito para fazer mais um elefante branco na paisagem, a economia míngua por decréscimo de inputs e estímulos ao consumo e tudo pára: exportações, consumo privado, investimentos, emprego, enfim, é o colapso duma sociedade. Ora, como hoje as economias estão atadas umas às outras por força dos fluxos financeiros e dos capitais cotados em bolsa a desgraça num lado gera desgraças múltiplas no mundo inteiro. É como se esse mundinho fosse um jogo de dominó, em que as peças, de súbito, começam a ruir, umas sobre as outras... Eis a globalização predatória na sua mais negra dimensão e alcance. E o poder político, o que poderá fazer para disciplinar este tsunami financeiro? A resposta a isto exige desmontar uma questão prévia. Ou seja, o poder político nas sociedades de organização complexa é um poder hiper-condicionado, logo fortemente diminuído e com escasso espaço de manobra por efeito dessa complexidade sistémica - que vemos no sistema financeiro virtual criado sobre o sistema financeiro clássico - assente em dinheiro vivo, e que agora ruíu porque o sistema financeiro virtual o parasitou, e agora estão ambos danificados. Apesar dos instrumentos de acção existentes nas sociedades complexas, como as sociedades Ocidentais, serem mais poderosas e ricas do que os instrumentos existentes nas sociedades de matriz simples, o poder político, de per se, e nas suas condições de exercício, encontra constrangimentos maiores e mais intensos. Basta ver o discurso de Cavaco Silva no dia 5 de Outubro: um conjunto de banalidades assente na realidade comezinha por todos conhecida. Mas os portugueses não comem discursos, ainda que bem feitos e melhor lidos. É curto... O que poderá dizer o PM, senão o que diz?! Força, esperança e vamos conseguir ultrapassar as dificuldades. Também são palavras de circunstância com vista a motivar os tugas, pois para nos deprimir basta olhar para srª Ferreira Leite ou até para o seu primo, Santana Lopes - que parece querer cavar mais umas crateras na capital. Daqui decorre uma outra verdade comezinha: a política não tem heróis, hoje somos todos pessoas demasiado normais, e o nosso futuro está cada vez mais entregue ao destino, e não à governação das nações hiper-industrializadas e post-materialistas do séc. XXI. Portanto, as nossas sociedades complexas encontram mais constrangimentos do que as sociedades simples, onde a modernização ainda não se fez intensivamente. Mas o mais grave reside no seguinte: o que está na nossa memória colectiva e no próprio ADN das sociedades edas instituições que a integram (mesmo as mais desenvolvidas) - ainda é a imagem do poder e do exercício da autoridade política que vem do passado. Logo, existe uma incongruência nas sociedades complexas, visto que entre o que se espera do exercício do poder e o que são as verdadeiras e efectivas condições concretas de formulação e de execução das decisões políticas, há um fosso enorme. Eis o que evocou o - certamente - bem intencionado discurso de Cavaco no dia da Implantação da República lido nos Paços do Concelho, na Praça do Município. Mais um... Ora, é nesta incongruência entre o anunciado e o realizado que se insere a dicotomia entre a necessidade política assente na verdade - e que é fortemente condicionada pelo exercício das condições do poder (de que a crise financeira mundial veio amplificar) e a conveniência democrática (senão mesmo eleitoralista) de que alguns políticos se servem para conseguir ganhar eleições e depois logo se vê... Dantes, o anúncio de um objectivo político era acompanhado dos recursos e dispositivos essenciais à sua implementação, hoje o anúncio de um objectivo político - além de não poder contar com os recursos programáveis nos orçamentos definidos, também encontra travões no mercado e no anárquico sistema financeiro - que tem caprichos e regras que o poder político há muito deixou de entender. Procuro apenas sublinhar que hoje estamos todos despidos, andamos todos no fio da navalha, nadamos sobre um corrimão de lâminas que nos conduz ao velho tanque de alcóol, pois a qualquer momento aquele revólver pode disparar e atingir um de nós... Hoje, somos quase todos norte-americanos, só que falamos (ainda) em português.
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