quarta-feira

Eduardo Lourenço: um homem e um pensamento a reter

Nota prévia:
Todo o escritor deveria ser um pensador do quilate de Eduardo Lourenço. E todo o escritor e pensador também deveria ser um ensaista da sua categoria. Enfim, muitas coisas num só.., como a assembleia de heterónimos insuperáveis legado por Fernando Pessoa - a quem todos nos sentimos gratos.
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Houve quem achasse que o encontro de dois dias sobre Eduardo Lourenço seria "uma justiça tardia para quem esteve em grande solidão e grande incompreensão".
Mas não o visado. No intervalo da tarde, visivelmente cansado, Eduardo Lourenço, 85 anos, resumiu ao DN o seu sentir dos dois dias do Congresso Internacional com o seu nome.
"O encontro foi centrado sob o signo do excesso da celebração. Mas foi uma surpresa constatar que há gente nova, de segunda e terceira geração, que leu os meus textos e fez trabalhos e teses de doutoramento. Aqui reciclei-me e aprendi muita coisa. Para saber um pouco melhor quem eu sou. O importante para mim é ver se me converto de autor virtual para autor real".
De prosa poética
Foi assim que definiu, quase no fim da sessão, a série de intervenções que pensaram e falaram sobre a sua obra, nas áreas da literatura, crítica literária, filosofia, teoria política, história, cultura e ensaísmo.
Intervenções dos mais variados sectores dissertaram sobre o escritor de prosa poética, cuja escrita "é de altíssima qualidade" e o faz olhar de dentro do templo dos grandes escritores", como o definiu Fernando Martinho. Mordaz, João Bénard da Costa brincou, dizendo que "ele viveu mais de meio século silenciado e esquecido. E dura muito em Portugal, há 30 anos, talvez por não viver em Portugal".
Houve depoimentos de quem com ele trabalhou no Tempo e o Modo e no suplemento "Cultura e Arte" do Comércio do Porto, em meados dos anos 60. O jornalista José Carlos Vasconcelos lembrou episódios sobre os artigos do homenageado que "chegavam sempre escritos à mão, com uma caneta de esfera fina".
'Fabulosa' obra não editada
Falou-se também da sua obra não publicada, "fabulosa", e da maneira de estar deste "verdadeiro embaixador itinerante da cultura portuguesa". Para uns é detentor de um "existencialismo trágico", para outros "uma escrita fora de órbita".
João Barrento terminava a sua intervenção com o quadro Chuva de Domingos Alvarez, comparando o cão da obra com Eduardo Lourenço, porque era o único ser vivo que não se deixava levar pelos outros na composição pictórica.
Como lembrava Maria Manuel Baptista , autora de uma tese de doutoramento sobre Eduardo Lourenço, "a minha tese foi um ponto de partida, mas hoje tenho cada vez mais dúvidas e certezas".
Viram-se fotografias da sua terra, São Pedro de Rio Seco, onde nasceu em 1932, que até quase finais do século XIII fez parte de Castela. Um homem que, como lembrou um dos intervenientes, "não fez doutoramento sobre o Tempo e a verdade, mas estas andam diluídas na sua obra".
Depois deste colóquio em sua homenagem , Eduardo Lourenço dará hoje uma conferência sobre Fernando Pessoa na Fundação Calouste Gulbenkian, integrada na exposição Weltliteratur. "Uma conversa sobre Pessoa e outros" dará o mote ao escritor e ensaísta. A sessão realiza-se pelas pelas 18 horas no Auditório 3, e conta com a moderação de António M. Feijó.