Os infernos fiscais - por Francisco Sarsfield Cabral -
Os infernos fiscais, por FSC, in Público
“Há uma luta diária contra a má utilização do regime off-shore e essa luta tem de continuar”, disse recentemente a procuradora Maria José Morgado ao Diário Económico. Aqui há tempos, gerou-se alguma polémica em torno da utilização de off-shores (paraísos fiscais) por instituições ligadas ao Estado português, para maximizarem os retornos de fundos públicos. O ministro das Finanças esclareceu que o recurso a paraísos fiscais só acontecia (e iria continuar a acontecer) em entidades da administração indirecta do Estado.
Depois, o ministro da Segurança Social disse ao Expresso ser contra a aplicação de dinheiros do Estado em off-shores, tendo determinado que o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (uma das tais entidades da administração indirecta do Estado) vendesse as aplicações que tem nos paraísos fiscais. E o Presidente da República afirmou ser “preciso ter muito cuidado com os off-shores”.
Esperemos que o Estado dê o exemplo. Não apenas no plano da legalidade, mas na exigência ética – em vez de se guiar apenas pela maximização dos rendimentos dos seus activos, ainda que legal.
O problema dos paraísos fiscais deve ser encarado numa perspectiva mais alargada. Toda a gente sabe que os off-shores (uns mais, outros menos) são locais físicos ou virtuais nada transparentes, por isso propícios à lavagem de dinheiro e, em alguns casos, ao financiamento de actividades criminosas, incluindo o terrorismo. Ainda quando não chegam a esse extremo, os off-shores representam um convite a tornear a lei, fiscal e não só.
Lembremos o “caso BCP”, ainda não esclarecido, mas onde parece estar em causa a utilização menos ortodoxa de off-shores. Ou o escândalo do Liechenstein, onde o governo alemão descobriu fraudes fiscais maciças – que envolvem, também, dinheiro de outros países, como a França, a Suécia, os Estados Unidos, a Austrália, etc.
Depois do 11 de Setembro, e porque se apurou que os terroristas fizeram largo uso de off-shores para se financiarem, esboçou-se um movimento internacional para limitar drasticamente os paraísos fiscais. Esperança hoje frustrada. Avançou-se alguma coisa na vigilância sobre eles exercida por organizações internacionais, como a OCDE. A Zona Franca da Madeira, por exemplo, é estritamente supervisionada pela OCDE e pela Comissão Europeia. Aliás, o sigilo bancário já não é hoje a muralha intransponível que era há décadas, na Suíça nomeadamente – por causa da luta contra a criminalidade internacional.
Mas entretanto perderam-se as esperanças de uma acção decisiva para eliminar ou, pelo menos, controlar eficazmente as centenas de off-shores existentes no mundo. O fenómeno é mundial e, por isso, só um acordo de todos os países teria hipóteses de êxito. Algo extremamente difícil, claro.
Esta dificuldade foi aproveitada pelos poderosos interesses financeiros que lucram com os paraísos fiscais para evitarem que eles desapareçam. Triste foi ver o governo de Bush, alegadamente tão empenhado no combate ao terrorismo, perder o empenho inicial na limitação e na transparência dos off-shores, numa lamentável demissão do poder político face ao poder financeiro.
Terão os paraísos fiscais razão de existir? Para muita gente têm. Dão jeito, pois graças a eles poupam largas somas de dinheiro. Independentemente de os off-shores serem propícios à ilegalidade e ao crime, a questão está em saber se, mesmo dentro da legalidade, em função do bem comum se justifica a existência de privilegiados fiscais, que em geral até nem são propriamente gente pobre.
Admito que haja casos pontuais em que tal aconteça. No caso da Madeira, por exemplo, há quem justifique a redução de impostos invocando as desvantagens da insularidade e da falta de recursos próprios para atrair investidores. Mas custa a aceitar não existirem outras formas de ajuda menos nocivas do interesse geral.
O problema é que, se os off-shores tiram dinheiro ao Estado em impostos que deixam de ser pagos, alguém terá de compensar essa falha. E, em regra, quem vai pagar aquilo que os outros não pagaram são bem menos ricos do que os felizardos que beneficiam dos paraísos fiscais. Por isso estes são “infernos fiscais” para o conjunto da comunidade e sobretudo para o contribuinte que nem sabe o que são off-shores.
Francisco Sarsfield Cabral
Jornalista
Obs: Uma reflexão tão premonitória quanto prospectiva. Merece meditação, não só por razões fiscais, como também por razões políticas, éticas e morais. Envie-se uma cópia ao cuidado superior do sr. dr. Vitor Constância, Governador do Banco de Portugal, com o conhecimento prévio daquele que hoje anda por aí a replicar processos judiciais a big Joe Berardo (Jardim Gonçalves) - por aquele ter a coragem (e o dinheiro...) de dizer a verdade sem medos e muita frontalidade. Já agora, por acaso Joe Berardo conhece o significado da palavra: off-shores!?
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