segunda-feira

Os centros de decisão revisitados - por Francisco Sarsfield Cabral -

O sublinhado é nosso.
Os centros de decisão revisitados, in Público
Falando da missão da Caixa Geral de Depósitos enquanto banco do Estado, o seu presidente, Faria de Oliveira, incluiu nela a defesa estratégica dos centros nacionais de decisão empresarial, através da participação no capital de algumas empresas (entrevista ao PÚBLICO e à Renascença no programa Diga lá Excelência do passado dia 21). Aliás, e antes de mais, a CGD pertencer ao Estado permite que se mantenha no país o seu centro de decisão.
Por esse motivo defendi a permanência na órbita do Estado da CGD, o principal banco português, quando há anos se debateu a importância de manter entre nós centros de decisão empresariais. Outros tipos de intervenção estatal nas empresas, como as golden shares (que o Estado português detém na PT e na EDP, por exemplo), ou outras formas de protecção mais ou menos disfarçada por um alegado interesse nacional, em regra apenas fomentam a promiscuidade entre os negócios e a política. Além de que a batota é contraproducente, pois uma empresa amparada pelo Estado dificilmente se torna competitiva.
Há seis anos um grupo de empresários, gestores e economistas manifestou preocupação quanto à saída de Portugal de centros empresariais de decisão, em resultado da compra por estrangeiros de empresas nacionais. Foi o “manifesto dos quarenta”. Curiosamente, António Borges, subscritor do manifesto e agora vice-presidente do PSD, propôs há semanas a privatização da CGD. O que, a concretizar-se, iria abrir a porta à sua compra por estrangeiros.
É verdade que a coerência não parece ter sido o timbre desta iniciativa. Passado pouco tempo, vários empresários subscritores do documento venderam empresas suas a estrangeiros (Soponata, Somague, Banco Nacional de Crédito Imobiliário, etc.).
A questão, de resto, tinha vindo a lume antes, quando em 1999 António Champalimaud vendeu aos espanhóis do Santander o Banco Totta, que supostamente havia adquirido para que ficasse em mãos nacionais. Numerosas vozes se ouviram, então, contra a venda de empresas portuguesas a estrangeiros – sobretudo a espanhóis. Estes, dizia-se, iriam conseguir pela via económica aquilo que ao longo de séculos não tinham obtido pela via militar, a conquista de Portugal. E não faltaram personalidades para considerar que, sem as principais empresas em mãos portuguesas, deixaria de ter sentido uma estratégia nacional, se não mesmo a própria ideia de país.
Fui e sou crítico dessa espécie de “marxismo empresarial”, que considera a esfera económica como a instância decisiva da realidade, desvalorizando a política. E levantei objecções ao “manifesto dos quarenta”, que me pareceu sobretudo um apelo proteccionista sob a capa do patriotismo económico.
Não vou reabrir aqui a polémica. Apenas estranho o silêncio quase geral dos subscritores do manifesto, quando agora assistimos à tomada de posição em empresas nacionais por parte de entidades que são braços de governos estrangeiros, agindo segundo as lógicas políticas desses governos. Entidades comparáveis aos chamados fundos soberanos, isto é, fundos estatais, sobretudo de países que estão a ganhar muito dinheiro com a alta do petróleo e do gás natural. É o caso da Sonangol, por exemplo. E poderá vir a acontecer com a russa Gazprom.
Eu sei que hoje os tempos são outros e que o acesso ao crédito é muito mais difícil e caro do que há seis anos, o que torna mais apetecível o dinheiro estrangeiro. Vários bancos americanos e europeus foram salvos da bancarrota graças a entradas de capital investido por fundos soberanos. Dá jeito o dinheiro, ainda que não se saiba qual o preço político a pagar no futuro.
Simplesmente, bem mais preocupante do que a compra de empresas nacionais por estrangeiros agindo segundo uma lógica de mercado é a tomada de centros nacionais de decisão por entidades que actuam de acordo com estratégias políticas de outros Estados. Ou que, pelo menos, são tão pouco transparentes que parece prudente presumir que o fazem.
É o que se passa com a angolana Sonangol (que não publica relatório e contas) e a russa Gazprom. Recordo que, há meses, o representante da Sonangol se anunciou como o “patrão” da Galp. E a Sonangol tornou-se entretanto no maior accionista do BCP. Mas o assunto não parece preocupar quem tanto se afligiu com meras operações de mercado. Francisco Sarsfield Cabral Jornalista
Obs: Um bom e oportuno artigo do Francisco. Revela a incoerência do empresariado nacional, o aventureirismo pensante do Vice-Presidente da Manela Ferreira Leite, António Borges, e a necessidade absoluta de conceder ao Estado um papel de regulação na discipina dos mercados - quando estes entram em roda livre.
Envie-se pois uma cópia para o sr. Borges - que o irá traduzir para a sua chefe, na esperança de que a mesma não diga tanta asneira, até em matéria económica - esfera em que se diz expert...