terça-feira

O alho hoje serve para tranças. A regulação da economia global. Em busca do político

O alho integra a nossa alimentação como tempero, mas a verdade é que o alho que anda por aí é como a economia nacional, internacional e global. O alho já não sabe a alho, assim como a economia é uma ciência e uma realidade nefasta para as pessoas e para a verdade. Além do paladar - que o alho já não tem - também a ideia de boa economia feita - outrora de progresso continuado - hoje esbarra com a ideia de catástrofe a cada dia. Tudo ao sabor das flutuações do mercado de acções, do preço do crude e da possibilidade (ou não) de haver uma guerra que inflacione imediatamente os preços desses bens nos mercados internacionais.
Dantes o alho sabia a alho, dantes a economia estabilizava os mercados financeiros, reduzia riscos, o desemprego, promovia o crescimento, a repartição do trabalho e do rendimento, evitando-se transições para o abismo, explosões de falências, desesperos, deslocalizações mercê da globalização predatória, probreza e até fontes de violência geradoras de derivas políticas mafiosas ou populistas - a que os regimes políticos hoje estão sujeitos.
Ou seja, assim como o alho que deixou de saber a alho, a economia, numa razão inversa, re-fibrou-se, ganhou função e ficou endiabrada, mas perdeu finalidade social e missão ética. Por isso, procurar regular um sector de actividade tem hoje a mesma eficácia que temperar um hamburger com o dente d' alho.
Dantes dava-se uma trincadelha num alho e era um bafo tremendo, capaz de desfazer o mais sólido dos namoros; hoje trinca-se um alho e a marmelada continua. Algo mudou, desde então...
Dantes o progresso técnico visava o aumento da produtividade, tudo em prol do bem comum duma colectividade; hoje a colectividade pode acordar sem reformas e pensar no suicídio.
Dantes a competitividade e a concorrência eram meios que o mercado utilizava para aumentar a sua eficácia, hoje esses meios fazem sangue social em larga escala. Até parece que os problemas sociais e políticos são apêndices dos problemas económicos, e não o inverso, como seria suposto.
Hoje temperarmos em pedaço de carne com alho ou regá-la com água vai dar ao mesmo, o velho sabor do alho já lá não está.
Dantes o alho tinha várias aplicações, uma delas era afastar vampiros e outros monstrinhos, pois o odor que libertava ajudava a manter afastados essas criaturas. Hoje o alho tem o mesmo sabor que uma pedra. E a economia também não consegue afastar os males maiores, antes os chama a si e amplia no espaço planetário quase à veleocidade da luz.
E p
edra é naquilo em que hoje se transformou a Economia, uma ciência cada vez mais incerta, portadora de riscos graves para a saúde e sujeita diáriamente a tremendas flutuações.
Em rigor, o que procuro significar com esta analogia meio sem jeito entre o alho e a economia post-modernaça que nos tolhe e desespera, é que se assiste, um pouco por esse mundo fora, a uma desconexão inquietante entre o vector económico e o vector político, alargando-se esse fosso entre os vectores económico, social e cultural.
Esta relação parece ser assim, desordenada, por uma razão simples: já não é o político que gere a economia e o social, o primado hoje deriva do económico e do financeiro, um e outro são vectores caprichosos com intensa mobilidade - que corrompem o social, o político e o cultural. Há aqui, de certo modo, um regresso ao Carlinhos Marx que a realidade obriga a fazer.
O vector político, se não se acautela, passa a ser como o alho: fica sem função, desfibrado, e assim nada regula deixando o mundo entregue à lei do mais forte e da anarquia do capitalismo de casino - hoje muito em voga nas praças financeiras.
A inversão desta tendência tornaria o mundo mais aprazível, previsível, regulado e humanizado, o que implicaria que o vector político assumisse novamente o comando das operações, i.é, regressando à regulação da economia e da sociedade, sem que isso comprometesse quer a competitividade da economia quer a coesão no interior das sociedades.
Até lá o vector político é como os modernos alhos, não sabem a nada. Estão desfibrados. Ou melhor, os alhos servem já não para temperar a comida mas para fazer tranças, valorizar e inspirar os designers e a moda. E a política passa andar a reboque da desgraça causada pela ditadura dos mercados financeiros, que decidem as taxas de juro, logo o crescimento, o emprego e, finalmente, o destino de milhões de homens sobre o planeta.
Confesso ter saudades do tempo em que o alho estragava a relação a um par de namorados. Costumava até utilizar-se a técnica do beijo bombástico - quando ele ou ela estavam fartos um do outro, trincava-se préviamente um alho seguido de um beijo. Resultava sempre, e o namoro terminava sob acusações mútuas de mau hálito... As paredes dos liceus estão repletos destas estórias de adolescentes desatinados em busca do equilíbrio emocional.
Era o tempo em que o alho sabia a alho. Há que recuperar esse tempo, e devolver à política as funções de regulação que ela tinha antes..., quando o alho (também) sabia a alho...