segunda-feira

A desculpa europeia - por Francisco Sarsfield Cabral -

O sublinhado é nosso
A desculpa europeia, in Público
Seja Obama ou McCain o próximo Presidente dos Estados Unidos, a política externa americana vai tornar-se menos unilateral, cooperando mais com os aliados. Uma evolução já iniciada nos últimos dois anos de Bush, face aos limites, que se tornaram evidentes, da atitude unilateral preconizada pelos neoconservadores. E será uma América menos disposta a meter-se em operações militares no estrangeiro.
Obama deixou claro que, caso eleito, iria pedir maior colaboração aos europeus na área da defesa, em especial quanto ao Afeganistão. Mas antes dele já Bush tinha finalmente reconhecido o interesse de Washington no desenvolvimento de uma defesa europeia, complementar da NATO.
Digo “finalmente” porque sucessivos governos americanos, incluindo os de Bill Clinton, mantiveram durante longos anos uma ambivalência face ao desejo europeu de construir uma defesa autónoma, embora articulada com a NATO. Washington apoiava a ideia em princípio - mas, mal ela esboçava concretizar-se, logo surgiam receios de que a defesa europeia iria minar a NATO.
Os receios americanos eram compreensíveis, uma vez que alguns líderes europeus – como Chirac – alimentavam a fantasia de fazer da União Europeia uma potência militar rival dos EUA. Mas hoje os europeus, e nomeadamente Sarkozy, já não têm essa ilusão.
Têm, sim, o problema inverso: a Política de Segurança e Defesa da UE, lançada há dez anos, pouco ou nada avançou - apesar de, entretanto, a Rússia ter voltado a ser uma ameaça política e militar. Sem apoio americano, os europeus não possuem capacidade logística para desencadear, sequer, operações de manutenção de paz. Há anos, um contingente militar francês destinado à ex-Jugoslávia teve de ser transportado… num barco de cruzeiros no Mediterrâneo.
Em 2003 foi decidido criar uma força europeia de reacção rápida, com 60 mil homens. Tal força ainda não saiu do papel. Nenhum dos 15 grupos de combate, que parecem ter substituído essa força, foi chamado a actuar nos últimos cinco anos. Das vinte operações de gestão de crises realizadas pela UE só cinco envolveram militares, sendo que, destas, apenas uma não teve o apoio da NATO (isto é, dos EUA) ou da ONU.
Entretanto não se avançou na melhoria das capacidades de transporte aéreo e de apoio militar ao dispor da UE (satélites de informação, por exemplo). Mais de dois terços das forças terrestres europeias não são capazes de operar fora das fronteiras nacionais.
Por outro lado, a presença militar europeia no Afeganistão revela muitas limitações – no número de soldados e na autorização para eles actuarem em zonas de combate. Angela Merkel torceu o nariz a Obama quando este advogou uma presença europeia mais efectiva no Afeganistão. Da UE, só o Reino Unido, a Holanda, a Polónia, a Suécia e a Estónia mostram disposição para combater, se necessário, naquele terreno.
A Europa achou cómodo e barato viver durante décadas à sombra do poderio militar norte-americano, apesar de alguns europeus dizerem mal dele. As despesas militares dos países europeus têm-se mantido muito abaixo das norte-americanas, mesmo após o fim da guerra fria.
Mas um recente relatório do Conselho Europeu de Relações Internacionais (um think tank) afirma que nem seria preciso gastar mais dinheiro na defesa militar europeia – bastaria gastá-lo melhor. O que implicaria juntar esforços e racionalizar recursos para evitar duplicações, promover a harmonização dos equipamentos militares (de telecomunicações, nomeadamente) e apostar no material prioritário (como helicópteros).
Desde 2003 os países europeus, sobretudo os que se opuseram à invasão americana do Iraque, tiveram uma boa desculpa para não tratarem a sério da defesa: não concordavam com a política de Bush. A desculpa vai desaparecer em Janeiro.
Nessa altura se verá se havia alguma seriedade nos inúmeros projectos e discursos sobre defesa e segurança europeias surgidos desde que Chirac e Blair (então líderes das duas potências nucleares da UE) resolveram relançar o tema em 1998. Sarkozy parece interessado no assunto. Só que, agora, tem em Londres um primeiro-ministro enfraquecido.
Aproxima-se a hora da verdade para a defesa europeia. Uma coisa é certa: sem uma capacidade militar razoável, que hoje não possui, não vale a pena à UE pensar numa política externa autónoma. Ninguém a levará a sério.
Francisco Sarsfield Cabral Jornalista
Obs: De pensamento e escrita rigorosas, o Francisco dá-nos aqui uma envolvente pincelada que baliza a potencial política externa de Obama, caso venha a vencer as eleições nos EUA, como desejamos - e a bem do mundo. Contudo, dois constrangimentos agora se colocam com acuidade aos formuladores de política externa no Velho Continente: saber lidar com a agressividade política e militar da Rússia de Putin & Medvedev (que se sedimentou à boleia da alta do petróleo) e saber como reformar a NATO de molde a conferir-lhe mais eficácia e prontidão.
Das boas relações que os EUA (post-G.W.Bush) e a Europa consigam estabelecer - poderá nascer um mundo mais pacífico e justo. E um mundo assim também será um mundo onde a riqueza aumente e a coesão económica e social entre os povos e no seio de cada sociedade - frutifique em prol do bem comum de que falava Aristóteles.
No fundo, tudo isto nos remete para aquela nova velha ideia kantiana (do Tratado de Paz Perpétua) de que as democracias não vão para a guerra.
O problema é que a Rússia - não é - [nunca foi] uma democracia, no seu ADN radica uma matriz imperial, expansionista e hegemónica naquilo que ela considera ser a sua área de influência - como se o muro de Berlim ainda estivesse intacto, a Guerra Fria no climax, Brejnev estivesse no poder e - a dupla de criminosos de Estado (Putin & Medvedev) - mais não fossem do que meros discípulos sentadinhos nas cadeiras do Politburo a pugnar pela aplicação da doutrina da soberania limitada no seu backyard - sob o pretexto do velho comunismo internacional - apelando - como diria Marx - aos trabalhadores de todo o mundo: Uni-vos...
Os velhos maoistas (ainda por reciclar que inundam algumas redacções de jornais) - que fazem do jornalismo um expediente para ataques pessoais a coberto de interesses empresariais, deveriam meditar aqui nestas realidades geopolíticas - em lugar de se entreter a fazer manchetes aberrantes que nenhum tributo prestam à razão, à estética e às letras em Portugal.
A esses se um dia alguém lhes pedisse que escrevessem algo de sério - o resultado seria [mais] uma abóbora...