sexta-feira

DESCENTRALIZAÇÃO E RESPONSABILIDADE

António Vitorino Jurista
Esta semana concluiu-se a retoma das aulas no ensino básico e secundário em todo o país. Tudo se processou dentro da maior normalidade e no quadro temporal definido. E quando assim é, tendemos a esquecer o caminho percorrido, designadamente o contributo que representou o novo regime de colocação dos professores que tão criticado foi quando da sua adopção.
As reformas têm esta ambivalência, nomeadamente em domínios onde as transformações são tanto mais profundas quanto foram longos anos adiadas. Com efeito, no sector educativo, muitas das grandes transformações introduzidas nos últimos três anos (que levaram Vital Moreira a falar numa verdadeira revolução) só produzirão plenamente o seu efeito com o decurso do tempo e, por isso, só a prazo nos aperceberemos do papel que elas tiveram na qualificação do nosso sistema de ensino.
É, aliás, frequente que nestes casos, onde os resultados são diluídos no tempo, a opinião pública entretanto venha a esquecer as resistências oferecidas, as críticas injustas, o "arrastar de pés" que provocaram no momento em que começaram a ser aplicadas. Estão neste capítulo as alterações ao estatuto dos professores e do aluno, o sistema de avaliação dos professores, o novo modelo de governo das escolas do ensino básico e secundário.
Noutros casos, contudo, os efeitos das reformas são mais imediatos (a racionalização da rede escolar pública, o ensino do inglês no básico, o horário integral na escola, as aulas de substituição, o plano de intervenção para o ensino da matemática, o alargamento do campo da acção social escolar).
O que caracteriza uma verdadeira reforma é nela se conjugarem mudanças que se fazem sentir no curto prazo com outras que só produzirão todos os seus efeitos em função do seu ritmo de implementação ao longo do tempo. Ora, os ciclos políticos incentivam as primeiras e normalmente tornam as segundas menos atractivas para os responsáveis, já que neste último caso o custo é pago à cabeça e o benefício pode não ser ainda de todo visível no momento de prestação de contas.
Ora é exactamente esta dupla valência das reformas que muitas vezes desincentiva os responsáveis a ousarem inovar, preferindo o conforto das pequenas medidas de visibilidade garantida ao risco das transformações de fundo.
Sabemos bem ao que esta orientação de vistas curtas conduziu o nosso sistema de ensino.
No intrincado debate da visibilidade das reformas, há também aspectos simbólicos que não podem nem devem ser descurados. O programa de renovação do espaço físico de 300 escolas do ensino secundário até 2015 insere-se neste capítulo de pleno. Buscando inspiração na experiência britânica, onde a participação da própria comunidade escolar na (re)definição do seu espaço físico foi um elemento de mobilização e de coesão da própria escola no seu conjunto, o programa agora iniciado chama a atenção para o estado de degradação a que deixámos chegar o parque escolar público e constitui um elemento essencial da própria reforma visando a melhoria da qualidade do ensino ministrado.
Causa, por isso, estranheza que haja quem, cego pela obsessão de se opor às reformas em curso, até esta medida tenha censurado por comprometer a liberdade de decisão dos governos vindouros atendendo a que o programa se desenvolverá ao longo de 7 anos! Para quem diz defender o ensino público não está mal como argumento!...
Do mesmo modo o início deste novo ano escolar coincide com a celebração de mais de noventa contratos de atribuição às câmaras municipais da responsabilidade pelas escolas do básico e do secundário e respectivo pessoal não docente.
Independentemente das peripécias da negociação em causa e dos jogos partidários que se fizeram sentir, esta é uma ideia já muitas vezes falada e nunca aplicada, que concretiza a necessidade e as aspirações de descentralização no sector educativo. Mas mais do que uma bandeira política, trata-se de uma medida em linha com a valorização do papel das diferentes comunidades interessadas no sucesso escolar (autarquias locais, pais e professores e sociedade civil local). No fundo em linha com o sentido profundo da própria reforma no seu conjunto.

Obs: Enquanto o PS parlamentar discute esterilidades, como o casamento-gay, os livre-pensadores discutem o essencial ao País: a Educação. Felicite-se, portanto, a prof. Maria de Lurdes Rodrigues (que aqui no passado criticámos por não conseguir explicar o sentido das reformas) pela perseverança que tem manifestado na sua linha política em relação à reforma da educação - no básico e no secundário - em Portugal. Felizmente, houve quem não se esquecesse disso.