terça-feira

Manuel Alegre: me, myself and I... Amusing Ourselves to Death

O homem que tinha o ego do tamanho do mundo. E o mundo tornou-se pequeno perante o narciso de vox tonitroante que ecoava na sua vitrine até o embaciar, ofuscar e iludir...
Manuel Alegre, cuja motivação política já escalpelizámos numa reflexão infra, é um homem inadaptado ao tempo presente. É um homem do passado que só por erro, engano ou lapso ainda vive no presente na qualidade de actor político.
- Tem uma tremenda sorte em integrar o PS, senão vejamos:
1. Se fosse do PCP era certo e sabido o que lhe aconteceria: o Comité Central convidá-lo-ía [em privado] a sair do partido, e caso isso não acontecesse em 24h. seria expulso. Zita Seabra, bem ou mal, teve a coragem de romper com o partido e desaguou nesse albergue espanhol que responde pelo nome de PSD. Hoje parece uma mulher feliz e até edita os livrinhos de Santana Lopes - num jogo de Felicidade dupla;
2. Se fosse do PSD - liderado por Santana Lopes - também seria convidado a sair, pois são conhecidas as declarações de Lopes em relação a eleitores como Pacheco Pereira e outros que têm feito a "vida negra" às lideranças. Ora, Manuel Alegre é, hoje, uma espécie de Pacheco Pereira do PS, mal comparado;
3. Se fosse do BE seria mais um radical, um trostskista a vestir Lacoste com um ideário político irrealisável - típico duma sociedade utópica ou até anarquista. Muito provavelmente, estaria no Parlamento a bater palmas quando Anacleto Louçã apelida os demais deputados de "animais que uivam" na casa da democracia. Para um académico, não está mau, não senhor...
4. Como Alegre integra o PS - está feliz e contente, porque aí a tradição é, mais do que respeitar, tolerar a diferença, ainda que essa diferença se alicerce num projecto político que remete para uma ambição pessoal desmedida e contranatura. Algo que configura o tal me, myself and I. Já que Alegre não tem programa político alternativo ao do PS nem pensa grande coisa acerca da gestão da coisa pública. O que se lhe conhece de aceitável, sejamos honestos, são uns poemas, nada mais. Uns poemas e um passado de luta antifascista. E aí teve o seu papel de combate ao ancien regime do velho "Botas" que engrandeceu a história do PS e do pluralismo político e social em Portugal. E isso é um crédito que todos lhe devemos.
Hoje reúne-se e cumplicia-se com o BE - sabe-se lá para quê... Provavelmente, para erguer algum mausuléu a Trotski numa praça de Lisboa. De preferência, próximo da sua residência, ou da de Louçã...
Quando se procura identificar uma ideologia, um ideário, um programa, um desígnio político alternativo ao do PS nada irrompe da testa de Alegre, que vive hoje da exploração política de pequenos factos políticos que, em princípio, todos estamos de acordo: combate à pobreza, reforçar a segurança social, apostar na educação e mais uns lugares comuns que qualquer humanista professa, sendo ou não do PS.
Alegre, por ser um actor políticamente inadaptado ao novo tempo, é alguém que polui o tempo. Ou seja, todos nós somos viajantes do tempo, percorrendo o trajecto do passado para o futuro, mas alguns ainda estão cristalizados no passado, e desatentos a esse facto não compreendem que essa travessia é realizada já sem consciência da velocidade do tempo novo ao qual se cruzam novas vagas do mar. É como se Alegre ainda fizesse os seus poemas na máquina de escrever na era do computador. Ele poderia fazê-los, mas algo já lhe teria entretanto escapado na dimensão do tempo.
E um rio que passa a ficar poluído, por essa tal incompreensão dos tempos emergentes em que Alegre navega, porventura animado pela ilusão dos seus milhares de votos nas últimas eleições presidenciais, passa de repente a ser tóxico, e a maioria dos peixes morre. Foi, precisamente, o que se passou com os seus votinhos na corrida para Belém que ele hoje procura traduzir em algo vivo, dinâmico e anti-Sócrates para, em 2009 o encostar à parede. Sob os aplauso, seguramente, de Ana Gomes, Helena Roseta e tutti quanti...
Será isto legítimo? Leal? Politicamente consistente? Consubstanciado e cumpliciado com Louçã, hoje o chefe da oposição em Portugal? Não creio.
Mas mesmo assim, o rio pode ter a mesma aparência e as pessoas ainda podem dar um passeio de barco nas suas águas, pensando que o Salazar ainda é vivo, o império aguenta firme como uma estaca, as colónias agonizam diante dos pretinhos esfomeados e iletrados e, portanto, ainda faz sentido (só na mente de Alegre...) a tal frase: para Angola e em força... Ou seja, já que o simulacro de entendimento não pode ser com o PCP que seja então com o BE. Haverá sempre o precedente de Lisboa, como, no limite da autojustificação, aduzirá o poeta...
Em face do exposto, pergunto-me: será que o poeta Manuel Alegre sabe em que século estamos?
Por outras palavras, apesar da vida ter sido retirada ao rio, ou este apresentar-se mais poluído, temperado pelas tais animalidades bloquistas que tudo se permitem propôr, o rio não desaparece, nem desaparece totalmente a utilidade que ele tem para as pessoas, embora o seu estado degradado deve ter consequências nocivas na paisagem circundante, como diria Neil Postman no seu Amusing Ourselves to Death...
Ainda bem que Alegre é do PS, pois se não fosse - e em virtude dos dados conhecidos e pela história e praxis dos partidos políticos em Portugal - todos já saberíamos que futuro o aguardaria...