terça-feira

Um museu fabuloso - por Mário Soares -

UM MUSEU FABULOSO Mário Soares
1.Em tempos de recessão - e com o País preocupado e deprimido - dá gosto e faz bem ao ego dos portugueses fazerem uma visita, se possível guiada, ao novo Museu do Oriente. Aconselho-a vivamente.
A Fundação do Oriente - e Carlos Monjardino, seu presidente - estão, francamente, de parabéns. Realizaram uma obra de grande beleza e sobriedade, de enorme dimensão e significado nacional, no velho armazém frigorífico, mais ou menos abandonado, do Bacalhau, onde mandava o polémico almirante Tenreiro, próximo da Gare Marítima de Alcântara, agora recreado por dentro, com inegável mestria, arte e bom gosto pelo arquitecto Carrilho da Graça. Também está de parabéns, bem como o meu querido amigo, arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles, que fez o arranjo urbanístico exterior e conseguiu o milagre de esconder a linha do caminho-de- -ferro...
A visita faz bem aos portugueses, porque nos mostra, com obras de rara beleza, impressionantemente bem expostas, a decisiva importância que os portugueses tiveram - e continuam a ter, embora a maioria o não saiba - no Oriente, quanto à forma como viram, interpretaram, divulgaram na Europa e deixaram a sua marca, na imagética oriental, nas religiões, nas obras de arte e naquelas requintadas civilizações que encontraram, em grandes países, como: a Índia, a China, o Japão, a Coreia, o Tibete, Myanmar, a Indonésia, Macau e Timor. Mostra-se, assim, como os portugueses iniciaram no séc. XVI, e continuaram a fazê-lo até hoje, o diálogo entre o Ocidente e o Oriente e o encontro fecundo entre tão diferentes civilizações - diálogo e encontro que mantêm uma extraordinária actualidade, no mundo global, tão conturbado e complexo em que hoje vivemos.
As colecções expostas representam acervos, laboriosa e criteriosamente adquiridos, pela Fundação Oriente, milhares de peças de várias procedências e civilizações, ao longo dos últimos 20 anos da sua existência, em antiquários asiáticos, europeus e leilões, realizados em várias regiões, mas sempre de grande qualidade. Além disso, a colecção Kwok On, extraordinária, organizada pelo sinólogo francês Jacques Pimpaneau, que a depositou em boa hora na Fundação. E, finalmente, para só citar as principais, centenas de peças (de madrepérola, biombos, móveis, pinturas, faianças, marfins, etc.) depositadas pelo Museu Machado de Castro, por exemplo, as colecções doadas àquela instituição por dois grandes artistas e escritores, Camilo Pessanha e Manuel Teixeira Gomes, refinado homem de cultura e arte, embaixador da República em Londres e, depois, Presidente da República, e ainda peças variadas do Museu Nacional de Arte Antiga, da Sociedade de Geografia, e de outras entidades, públicas e privadas.
Tive o grande privilégio de visitar o Museu guiado por Carlos Monjardino, presidente da Fundação Oriente (meu velho amigo, que também já fui de seu pai, ilustre médico, Pedro Monjardino e de seu avô materno, o grande professor de Medicina Pulido Valente), responsável pela aquisição da maior parte do acervo, e pelas dras. Natália Correia Guedes, actual conservadora do Museu e Manuela Oliveira Martins, sua principal colaboradora, ambas profundas conhecedoras das obras expostas e da Arte, da Imagética e das Religiões Orientais.
A influência dos portugueses na Ásia - e por toda a parte onde passou a missionação dos nossos jesuítas, franciscanos, dominicanos e outras ordens - é realmente extraordinária, pelo que representou e pelo que dela persiste. Sem esquecer, obviamente, África, o Brasil e o resto do mundo, por onde os portugueses andaram - e andam -, que não fazem parte do património do Museu do Oriente. Somos realmente um povo singular, aberto ao vasto mundo e a todas as civilizações e influências, ao diálogo de culturas, no melhor sentido do termo, às influências que sofremos e às marcas que deixamos.
Aliás, a exposição permanente está inspirada, em todo o seu percurso, por dois grandes livros-guia: Os Lusíadas, de Camões; e A Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, dois portugueses seiscentistas que viveram e escreveram no primeiro grande século da saga dos Descobrimentos, deixando-nos, cada um à sua maneira, uma marca indelével da sua visão originalíssima.
O Museu do Oriente para além da mostra permanente, que tentei escrever em síntese, está aberto a exposições temporárias. A que lá está agora intitula-se Máscaras da Ásia. Tem ainda um importante centro de documentação e uma biblioteca especializada, um excelente auditório para conferências e espectáculos, com 350 lugares e instalações destinadas às crianças que visitam o museu e que são convidadas depois de o verem, a desenhar e pintar o que sentiram. Uma experiência inovadora, com resultados à vista, espectaculares, que irá ser completada com visitas de alunos seleccionados e pertencentes a escolas de vários países marcantes da Rota do Oriente, onde os portugueses estiveram.
Dispõe ainda de uma loja bem provida, onde se podem comprar os três catálogos do museu, livros da especialidade, reproduções de algumas das obras expostas, tecidos orientais, etc. E ainda um restaurante, com uma vista espectacular sobre o rio, de onde partiram as caravelas, um bar e amplos espaços de lazer. Desculpem os leitores esta descrição que parece de propaganda, mas não é. Tem uma intenção didáctica e patriótica. Visitem o Museu do Oriente! Visitas destas, em tempos complexos, vão, seguramente, fazer muito bem ao ego dos portugueses.
2.Siza Vieira. Aproveito para vos falar de uma obra que ainda não tive oportunidade de visitar, do nosso genial arquitecto, Álvaro Siza Vieira, sobre a qual tenho lido, com prazer e proveito. Como lhe chamam os nossos irmãos brasileiros: o Óscar Niemeyer português.
Trata-se do edifício da Fundação Iberê Camargo, também museu, em Porto Alegre, terra gaúcha, ao sul do Brasil. É uma peça arquitectónica, "que parece uma escultura", no dizer do seu autor, cuja maqueta, ganhou o Troféu Leão de Ouro na oitava Bienal de Arquitectura de Veneza, em 2002, e que só há dias foi inaugurada pelo ministro da Cultura do Brasil, Gilberto Gil. O ministro chamou- -lhe "um edifício-escola e um exemplo único de uma arquitectura inteligente".
É muito importante, para Portugal, que isso tenha acontecido. É mais um traço inter-atlântico que une as duas pátrias de língua portuguesa. Vale muito mais do que as campanhas publicitárias sobre Portugal, que se têm feito no estrangeiro, caríssimas e cujos resultados são, ao que dizem, francamente decepcionantes... É certo que muitos ainda não perceberam que "o homem é o capital mais valioso" e que, portanto, o que devemos fazer é apostar na nossa gente e nos grandes valores que cá temos, em vez de os denegrir ou esconder com o véu espesso do silêncio...
O Museu Oriente[link]
Obs: Mário Soares é assim: numa semana critica a pobreza em Portugal, lendo os relatórios de forma apressada e imputando toda essa desgraça ao Governo (pensando que ainda está em 2004, como fez Santana no hemiciclo a semana passada); na outra evoca o que de melhor o País produz. O saldo é culturalmente positivo. Até porque ninguém diria que Soares é já um octogenário, visto que a sua idade mental é inferior à sua idade temporal, e é essa longevidade que espanta nos genes vivos do fundador do regime democrático em Portugal.
Mas regressando ao problema da pobreza, que diz respeito a todos nós - que somos o "tal" Estado. Em última instância, e seguindo um dos lemas do Imperador do Japão - na fase terminal dos samurais recordo esta preocupação imperial...
Um dia o Imperador virou-se para um dos seus conselheiros mais próximos (que enriqueciam com o comércio internacional com as potências estrangeiras que vendiam armamento) e que pretendia a todo o custo a abertura rápida do País do sol nascente à modernidade, o que implicaria a extinção das tradições, logo do sistema de vida dos samurais, e ordenou-lhe que para resolver os problemas sociais do Japão iria confiscar os bens particulares do conselheiro para ajudar no desenvolvimento de toda a nação.
Resultado: o conselheiro ficou envergonhado perante o inner circle do Imperador, uma vergonha que denunciaria a sua não concordância com esse método.
Moral da estória: qual de nós, de entre os estratos da população mais abastada, aceitaria afectar 2, 3, 4 ou mesmo 10% dos respectivos salários para investir no combate à pobreza?!
Devolva-se o desafio ao dr. Mário Soares e, já agora, envie-se xerox ao prof. Cavaco - que já se encontra reformado pelo Banco de Portugal. Juntos dariam um magnânime exemplo do que seria a solidariedade pró-activa em Portugal a partir do topo.
Um estímulo desafiante contra a pobreza. Um gesto que até poderia sensibilizar os restantes 8 milhões que não são pobres.
Naturalmente, como os rendimentos do dr. Carlos Monjardino são 6 a 8 vezes superiores a um ex-Chefe de Estado - a percentagem dessa colaboração no combate à pobreza seria substancialmente superior.
Se aplicássemos o mesmo raciocínio e método ao Presidente da Galp, ao futebolista Cristiano Ronaldo, ao Figo, ao Dias Loureiro, a Big Joe Berardo e a tutti quanti Portugal, do dia para a noite, convertia-se na Suíça do Mediterrâneo, mesmo sem chocolates e relógios...
Afinal, será que somos assim tão pobres!?