segunda-feira

Democracia no Médio Oriente - por Francisco Sarsfield Cabral -

Francisco Sarsfield Cabral
Democracia no Médio Oriente, in Público
Na semana passada foi de novo prorrogado no Egipto o estado de emergência, que vigora desde 1981. Trata-se de conter os islâmicos radicais. Uma semana antes, em eleições no Koweit os radicais obtiveram significativos ganhos. O seu alvo é impor sem concessões a sharia, a lei islâmica, que não distingue Estado de religião.
O paradoxo de a democracia poder matar a democracia é antigo. Hitler chegou ao poder através de eleições – a que ele pôs fim. Em 1992 os radicais islâmicos ganharam as eleições na Argélia. O governo argelino anulou os resultados, lançando o país numa sangrenta guerra civil. Há dois anos houve eleições na Palestina. Venceram os extremistas do Hamas.
No final de 2005 realizaram-se no Iraque eleições, que tanto comoveram os partidários ocidentais da invasão americana. Só que os iraquianos votaram segundo o grupo religioso e étnico a que pertenciam, assim agravando as divisões internas no Iraque.
Já arrefeceu entusiasmo democratizador do Médio Oriente, que caracterizou a administração Bush após o 11 de Setembro. Percebeu-se que a maioria da população dos Estados da região, se a deixassem votar, derrubaria os regimes autocráticos que a governam, mas para os substituir por ditaduras muçulmanas, não menos tirânicas.
Hoje, o próprio Bush contenta-se com estimular a oposição das monarquias do Golfo à ameaça do Irão (onde também há eleições, mas muito condicionadas pelo poder religioso). Não tiveram êxito as tentativas americanas para liberalizar regimes como o saudita. E o futuro presidente dos Estados Unidos, seja ele quem for, não se vai lançar em cruzadas democratizadoras, que - viu-se no Iraque - podem ter enormes custos.
A democracia é desejável, claro. Mas não é um valor absoluto, a ser prosseguido a qualquer preço. Se a promoção da democracia leva ao caos, como aconteceu no Iraque, então mais vale ser prudente.
De resto, a democracia não justifica tudo. Por exemplo, a democracia israelita, que é real, não torna aceitáveis todos os sofrimentos infligidos pelos judeus aos palestinianos. Como a democracia ateniense, reservada a uma elite, não justificava a escravatura.
O Médio Oriente vive uma perigosa situação de instabilidade, que se agravou com a invasão do Iraque e com o não empenhamento de Washington na resolução do conflito israelo-palestiniano. Neste quadro, é perigoso abanar os regimes que ali predominam, do Egipto à Arábia Saudita, passando pela Jordânia, por pouco democráticos que eles sejam.
Tendo formado uma nação com gente vinda de toda a parte, com grande diversidade de religiões e de raças, os americanos curiosamente revelam alguma incapacidade para perceberem culturas diferentes da sua e para dialogarem com gente que tem padrões que lhes são estranhos. Pelo contrário, os europeus, ou muitos deles, tiveram a experiência de contacto com outras civilizações enquanto potências coloniais, o que lhes faz ter maior consciência da complexidade do mundo.
Mas, mesmo para os americanos, depois do Iraque tornou-se óbvio que a democracia não se resume a eleições. Nem a simplesmente poder derrubar um governo através de uma maioria de votos e não pela força revolucionária. A democracia exige uma certa cultura, com valores como o respeito pela lei e a convivência pacífica entre pessoas e grupos com ideias e crenças diferentes. É um acordo para discordar, sem violência.
Ora essa cultura não se consegue numa geração e ainda menos com guerras. Acresce que os moderados islâmicos – que os há, contra o que às vezes se diz – se encontram, hoje, numa posição de extrema fraqueza, sendo acusados de pró-americanos por uma opinião pública islâmica que se tornou profundamente anti-americana.
Em fim de mandato, Bush tenta um acordo entre Israel e os palestinianos, o maior problema do Médio Oriente. Mais vale tarde do que nunca, é certo, mas só um milagre poderá levar a um acordo em 2008. Todos os líderes em causa estão enfraquecidos: Bush atinge “records” de impopularidade, o primeiro-ministro israelita está politicamente queimado, pois a invasão do Líbano correu-lhe mal e tem problemas com a justiça. E M. Abbas manda pouco nos palestinianos, não podendo seriamente comprometer-se a coisa alguma. É assunto para o próximo inquilino da Casa Branca. Não lhe invejo a sorte. Francisco Sarsfield Cabral Jornalista
Obs: É uma interessante viagem pelo Médio Oriente à luz da teoria democrática, por isso mesmo para aqueles leitores de Sarsfield Cabral que, por qualquer razão, não o lêem com regularidade têm aqui uma razão acrescida para inverter essa tendência. É uma viagem à história, à teoria democrática, à relação da Liberdade com a Democracia - majistralmente sistematizada por Fareed Zakaria num livro a que chamou O Futuro da Liberdade, e que o autor do artigo enquadra de forma muito abrangente e compreensível. Revelando que a democracia é o menos mau de todos os regimes, mas precisa de ser regado diáriamente sob pena de descambar e os agregados humanos recorrerem à violência como forma de resolverem as suas disputas e conflitos. Vale bem a pena meditar em toda essa trajectória que os regimes democráticos (não) estão fazendo na zona do MO, onde existem cerca de 2/3 das jazidas de petróleo mundiais para perceber que para se compreender o futuro é necessário compreender o passado, como diria Nicolau Maquiavel.
E como o mundo depende - hoje por maioria de razão (veja-se a dependência do petróleo no mundo Ocidental) da estabilização daqueles regimes do MO (as petrodemocracaias) - sugira-se a leitura desta interessante reflexão do decano dos jornalistas em Portugal, de resto intelectual, humana e académicamente qualificado - a todos aqueles directores de jornais - que hoje estando na casa dos 50 e tal anos nem a treta duma licenciatura conseguiram concluir.
Envie-se xerox do artigo para o Conselho de Adm. do grupo Sonae e informe-se o engº Belmiro de Azevedo que teria toda a vantagem em requalificar académicamente alguns dos responsáveis pelo seu grupo editorial, na certeza de que o Público, em muitas das suas fileiras, conta com jornalistas de grande categoria.