Especulação e alta dos preços - por Francisco Sarsfield Cabral -
Especulação e alta dos preços, in Público
Têm-se acusado os especuladores de provocarem a alta dos preços das matérias-primas alimentares e do petróleo. Consola-nos haver alguém que possamos responsabilizar pelas nossas dificuldades. Resta saber se o bode expiatório corresponde à realidade.
Em 1966 o primeiro-ministro Harold Wilson acusou a especulação dos “gnomos de Zurique” (isto é, dos banqueiros suíços) pela queda da libra, quando era grande o défice da balança de pagamentos da Grã-Bretanha. Em 1993 George Soros ajudou a pôr a libra fora do Sistema Monetário Europeu, ao vender grandes quantidades desta divisa – porque achava que a tendência inexorável do mercado levaria à sua desvalorização.
Ora o cerne da questão está aí: a especulação provoca a alteração dos preços ou apenas se aproveita dessa evolução, acentuando-a? Num mercado pequeno e fechado – como era, por exemplo, o mercado português na II Guerra Mundial – é possível alguém comprar e armazenar determinado produto, provocando escassez no mercado e, portanto, a subida do seu preço. O especulador irá, depois, vender caro aquilo que açambarcou.
Mas agora a concorrência processa-se a nível global, embora não seja uma concorrência perfeita. Por muito que algumas multinacionais alimentares e petrolíferas tenham peso nos mercados mundiais, elas não conseguem açambarcar em escala significativa.
A própria OPEP, determinante no primeiro choque petrolífero (1973-74), abastece hoje apenas 42 % do mercado mundial. Esta percentagem irá subir de novo, pois dois terços das reservas de petróleo encontram-se debaixo do solo no Médio Oriente. Mas, para já, os países da OPEP limitam-se a deixar correr o marfim, não aumentando a sua produção.
Aliás, como notava o economista Paul Krugman no New York Times, os “stocks” mundiais de matérias-primas alimentares e de petróleo não estão anormalmente altos; os de alimentos encontram-se, até, a níveis historicamente baixos. Pode ter havido algures alguns petroleiros carregados de crude, à espera de este subir para o descarregarem. Mas, a existirem, esses stocks terão apenas uma influência marginal no preço. Os seus proprietários apostam numa tendência – a da contínua subida do petróleo – que não é criada por eles. Se a aposta falhar, perderão dinheiro.
Depois da crise do crédito os mercados de acções atravessam uma certa estagnação. O que tem levado investidores (fundos de pensões, fundos de risco, etc.) a desviarem aplicações para títulos sobre matérias-primas, incluindo petróleo, visando sobretudo entregas futuras. Não para consumo próprio, mas para obterem lucros financeiros. Nos últimos meses criaram-se fundos específicos nestas áreas.
Naturalmente que a compra de títulos ligados ao petróleo e aos alimentos tem algum efeito nos preços. Mas é um reflexo conjuntural, por natureza passageiro. Seria bom que a presente alta do petróleo e das matérias-primas alimentares fosse resultado da especulação financeira, logo conjuntural. Infelizmente, ela é sobretudo estrutural, decorrente de mudanças de fundo na oferta e na procura desses bens. Por isso não passará tão cedo.
Atribuir o encarecimento do crude e dos alimentos a manobras especulativas tem, assim, uma consequência: leva a que não nos preparemos para que essa alta se prolongue no futuro. Ficamos à espera de que rebente a bolha especulativa.
Entretanto, deixamos acentuar o hábito de gastar energia em geral e petróleo em particular como se fossem baratos. É o que tem acontecido entre nós. Lisboa é a área metropolitana da Europa com maior densidade de auto-estradas e o Governo continua a apostar na política do betão, que dantes os socialistas criticavam. Porque não desviámos parte do dinheiro investido em auto-estradas para a promoção de bons transportes colectivos e ferroviários? Até era importante para travar o CO2. Será por causa do lobby das obras públicas?
Portugal tinha 374 carros por mil habitantes em 1995, bem abaixo da média europeia de então. Em 2004 esse número quase duplicara: 572 automóveis, contra a média de 463 na União Europeia a 25 (sem a Bulgária e a Roménia). Mais carros por mil habitantes, na UE, só no Luxemburgo e em Itália. Em países como a Holanda, França ou Espanha há menos automóveis por mil habitantes do que entre nós. Até parece que somos mais ricos.
Francisco Sarsfield Cabral
Jornalista
Obs: Publique-se com uma xerox para S. Bento e outra para o ministério das Obras Públicas que, não obstante estarem a fazer um trabalho de planeamento e de afectação de fundos para ligar as cidades e as regiões portuguesas entre si e intensificar as ligações de Portugal a Espanha e ao resto da Europa via TGV - deveriam acautelar - dos recursos desse "bolo" uma fatia para o investimento em transportes públicos de qualidade: confortáveis, rápidos e amigos dos ambiente. Muita gente já vendeu o carro...
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