A entrevista de Manuel Alegre na RTP. Um tempo de antena povoado de lugares comuns
O dr. Manuel Alegre foi à RTP dizer o que lhe vai na alma. Tentaremos enquadrar o que de essencial o "deputado em trânsito" disse, apesar de, na realidade, não ter dito nada de essencial à nação. O que nos leva a supôr que ele está sobrerepresentado.
Começou, e bem, por referir uma ideia (depois repetida "n" vezes ao longo da entrevista, à falta de melhor argumentação) que o modelo económico do País está esgotado (embora sem pormenorizar, porque não conhece os detalhes) e substanciou essa afirmação em estudos da ONG(D) OIKOS e nos trabalhos do sociólogo Alfredo Bruto da Costa. Há 2 milhões de pobres, milhares de desempregados, muitos emigrantes económicos e, portanto, Portugal vive um ciclo vicioso de subdesenvolvimento. Tudo coisas que todos nós já sabemos e são estruturais à economia e à sociedade portuguesa, que até à década de 70/80 ainda estava muito assente na agricultura e padecendo de uma enorme taxa de iliteracia.
Na opinião de Alegre o equilíbrio orçamental deveria servir para financiar mais programas sociais, e não ater-se ao mero equilíbrio das contas públicas. Em tese isto é válido, o problema está em gerir um OGE com recursos finitos e com uma demanda de necessidades sociais quase infinita. E é aqui que começa a política, na definição de prioridades, no corte de despesa e na fixação do que é elegível para as áreas de investimentos públicos. Mas esta mecânica já escapa à forma mental do poeta, dada a sua inexperiência de gestão e desconhecimento dos procedimentos inerentes à aplicação de um orçamento e à forma como podem ser corrigidos certas ´políticas públicas. Mas deus nos livre de Alegre gerir o que quer que seja de natureza pública...
Perante as acusações políticas (e pessoais) de José Lello e do presidente da Distrital de Coimbra - Alegre poderá responder através do seu advogado, i.é, com recurso aos tribunais. Este aspecto ficou deliberadamente ambíguo, numa zona cinzenta, o que revela o carácter artificial da contenda ou das alegadas ofensas. Peanuts, como se diz em política...
Criticou as medidas na Saúde e na Educação, saíu Correia de Campos, e na Educação algumas medidas foram suavizadas e outras adiadas, como o sistema de avaliação dos professores. Mais uma vez, o modelo económico do país está esgotado. Já sabíamos.
Depois, numa irónia tão oca quanto kamikase Alegre agradeceu a Vitalino Canas por este ter sido o responsável de algumas pessoas de Penafiel se terem metido no carro para ir à Trindade ver o deputado Alegre de braço dado com Louçã. Esta passagem foi caricata, estúpida mesmo, porque foi o reconhecimento por parte do poeta de que nem como deputado ele consegue mobiliza os descontentes, mas Vitalino consegue fazê-lo. Alberto Martins, do outro lado da barricada, é um amigo e assegurou as pontes, e foi, segundo o poeta, graças ao líder parlamentar do PS que Alegre já não rompeu já com o partido do Largo do Rato.
No decurso da entrevista Alegre teve mais uma passagem sintomática das suas verdadeiras motivações, segundo as quais poderia ter "espatifado" o PS aquando das eleições para a liderança do partido que entronizou Sócrates e na sequência do vacuum de poder com a saída de Ferro Rodrigues em 2004. Aliás, em circunstâncias muito delicadas conhecidas de todos nós que se prendem às alegadas acusações de pedofilia.
Portanto, temos um deputado do PS, histórico do partido que reclama mais sensibilidade social, mais atenção aos funcionários públicos, mais cuidado com os desequilíbrios sociais. E quando se lhe perguntou como fazer tudo isso, Alegre responde que tem que ser com novas políticas macro-económicas e com o envolvimento da Europa. Qualquer português responderia isso mesmo numa paragem de autocarro.
De seguida, foi mais um chorrilho de lugares comuns: em matéria de corrupção querendo, com isso, visar Jorge Coelho e todos aqueles saltapocinhas que se servem do bloco central dos interesses para assumir cargos de alta administração, seja no sector privado seja no sector público. Aqui Alegre disse algo que sempre existiu em Portugal, uma espécie de vox-populi, com governos do PSD e do PS, indignou-se, mas não pormenorizou, não indicou caso ou casos que pudessem ser investigados pelos tribunais. Assim sendo, foi mais uma crtítica-protesto de homem de rua, um desabafo de paragem de autocarro, mais uma banalidade.
Assim como a promiscuidade que existe entre a política e os negócios, mormente na área das grandes obras públicas, e aqui a sua vontade seria regressar de novo a Jorge Coelho, que, aliás, nunca nomeou, mas deixou subentendido. Até aqui, portanto, Alegre teve pouca coragem, foi pouco firme nas acusações, titubeou, tal como o homem de rua, pois sabia antecipadamente que a sua crítica é precisamente aquela que resulta da insatisfação comum, um esbirro de populaça.
Concluíu com mais uma banalidade que, de resto, já entrou na moda: criticar a ASAE e o excesso de regulamentação das suas práticas que penaliza muitos sectores de actividade económica de média e de pequena dimensão, afectando, por vezes, empresas familiares e com algum desrespeito pelas tradições e costumes regionais e locais. Palmas.
Como diria António Costa, edil de Lisboa, numa frase lapidar e até com algum recorte literário de inspiração poética: Manuel Alegre ficou prisioneiro da trova do vento que passa.
Numa palavra, Alegre na entrevista que deu à estação de TV paga com os impostos de todos nós, revelou-se o mesmo homem de sempre: sonhador, abstracto, romântico, até utópico, confusionista porque misturando alhos com bugalhos, debitando um conjunto de lugares comuns relativamente à economia nacional e internacional, e com uma vontade imensa de arranjar um casus belli com alguns deputados do PS mais zelosos para gerar o pretexto ideal e dizer: "estão a ver, eu avisei, vocês, o PS, obrigaram-se a romper e a abandonar o partido do Largo do Rato".
Apesar de isto ainda não ter acontecido, na mente do poeta é já a consumação desse efeito que ilumina a cabeça protestativa do poeta.
Enquanto ouvia as mais do que previsíveis banalidades de Alegre só me ocorria que o poeta poderia bem representar o papel de Sean Penn, protagonista de um filme em que o actor, frustrado com a vida decide apontar a sua raiva contra o então Presidente dos EUA.
Tudo se resume a isso: Alegre gostaria que Sócrates fosse Nixon...
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