DUCHE IRLANDÊS - por António Vitorino -
DUCHE IRLANDÊS, in dn
António Vitorino
jurista
A rejeição do Tratado de Lisboa no referendo irlandês é sem dúvida uma grande decepção para todos aqueles que acreditam na necessidade de uma reforma dos Tratados da União. O facto de o "não" ter prevalecido no único caso em que o Tratado foi submetido a referendo popular reforça a argumentação de todos aqueles que, partindo mesmo de perspectivas entre si muito diferentes sobre o futuro do projecto europeu, convergem contudo na recusa das soluções propostas pelo Tratado de Lisboa.
Alguns tentam desdramatizar o "não" irlandês: que não é a primeira vez que sucede, que já antes por diversas vezes a União se confrontou com este tipo de situações.
Tudo isso é verdade, mas convém compreender que este insucesso da reforma dos Tratados vem lançar de novo a incerteza sobre o quadro institucional de referência da União e sobre as suas prioridades políticas, prolongando um período de negociação entre os Estados membros que se iniciou há oito anos em Nice.
Sou dos que pensam que a rejeição irlandesa provoca uma crise na União e que de pouco adianta disfarçar este facto. Até porque as crises se desenvolvem por fases até se lhe encontrar uma saída possível.
Esta primeira fase é a da confusão, da frustração dos defensores do Tratado e da euforia dos seus opositores.
Há quem declare o Tratado de Lisboa morto. A decisão dos ministros dos Negócios Estrangeiros de segunda-feira passada de apelarem ao prosseguimento do processo de ratificação nos oito países que ainda o não fizeram não parece apontar nesse sentido. E enquanto o próprio Governo irlandês não descartar a hipótese de um novo referendo, com ou sem adaptações decorrentes da interpretação que fizerem do significado da vitória do "não", as notícias da morte do Tratado são, no mínimo, prematuras.
Os defensores do Tratado, por seu turno, ao apelarem à conclusão rápida do processo de ratificação subestimam, contudo, a dificuldade de encontrar uma saída para a crise. Com efeito, não parece que exista margem para uma solução rápida ou no curto prazo.
Logo, o Tratado de Lisboa não entrará em vigor em Janeiro de 2009 e, na melhor das hipóteses, não haverá solução antes de, pelo menos, um ano. As negociações sobre cargos de responsabilidade na União terão, pois, de se conformar com as regras actualmente vigentes no Tratado de Nice.
Nesta fase da crise, a primeira e decisiva palavra terá de caber ao Governo irlandês. O que é reconhecido mesmo por aqueles que poderiam ser tentados a avançar com o Tratado de Lisboa ratificado pelos restantes 26 Estados membros. Com efeito, mesmo as (felizmente poucas) vozes que preconizaram que se deixasse "para trás" a Irlanda, rapidamente perceberam que tal postura geraria mais incomodidade do que facilitaria uma solução. Sobretudo quando apresentada sem dar aos próprios irlandeses a primazia na apresentação de uma proposta de superação da crise.
Ora é aqui que as coisas se apresentam mais difíceis.
Claro que as responsabilidades do Governo irlandês não podem ser minimizadas, num país que beneficiou extraordinariamente da integração europeia (há 15 anos estava com Portugal, Espanha e Grécia no chamado "grupo da coesão" e hoje tem um PIB per capita de 112% da média comunitária), que em sucessivas sondagens manifesta um apoio superior aos 67% ao projecto de integração europeia e que inclusivamente integra a moeda única europeia - provavelmente o mais federal de todos os elementos da União. Sobretudo porque a razão determinante do voto "não" foi os eleitores considerarem que não compreendiam o que estava no Tratado.
Só que, por muito falseados que tenham sido alguns dos argumentos do "não" (aborto, casamentos homossexuais, eutanásia, fiscalidade), a verdade é que foram às urnas mais de 50% dos eleitores (em número mesmo superior ao do segundo referendo que aprovou o Tratado de Nice na Irlanda) e a vitória do "não" contou não só com uma folga confortável (53,4% dos votantes) como alicerçou-se sobretudo no voto das mulheres e dos jovens.
Esta realidade torna particularmente difícil a tarefa do Governo irlandês em reverter o "não" num hipotético segundo referendo.
Obs: Publique-se e envie-se cópia para os irlandeses. Especialmente, os mais recalcitrantes - que assim também ficariam a saber que os portugueses também não fazem ideia do que consta do referido tratado de Lisboa (senão que foi assinado, e bem assinado no Mosteiro dos Jerónimos), mas que deverá servir para três coisas essenciais: 1) dotar a Europa a 27 duma maquinaria jurídica e política que torne mais racional e eficaz o processo de tomada de decisão política; 2) que ajude a fazer crescer as economias europeias desenvolvendo todos os indicadores de desenvolvimento humano; 3) e consolide um estatuto de Europa-global capaz de competir com a China, a Índia e as demais potências emergentes e, ao mesmo tempo, conceba novas fontes energéticas para resolver o sério e premente garrote representado pela dependência do petróleo - que tem esmagado as economias europeias. En passent, informe-se os irlandeses que em Portugal - adoptámos a via da ratificação parlamenar - poupando assim o zé povinho de assinar coisas que desconhece. Seja por culpa dos agentes políticos (que não explicam), seja por culpa do povo que continua alheado dessas questões (e só quer bola). O sublinhado no artigo supra é nosso, como de costume.
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