Mário Soares entrevista Hugo Chavez
Confesso que apreciei ver ontem o dr. Mário Soares entrevistar Hugo Chavez num programa de tv. E gostei por duas, ou melhor três ordens de razões: 1. Mário Soares tem um capital genético impressionante, já com 83 anos revela uma lucidez e uma memória alucinantes e verdadeiramente invejáveis. É um homem que está decidido a não arrumar as botas nem a reformar-se definitivamente da política - que agora faz indirectamente através dos media e da Fundação com o seu nome a que preside. Por vezes o Governo faz com ele o que é prática fazer-se nos EUA, em que o Executivo recruta antigos presidentes e coloca-os a desempenhar missões diplomáticas, de bons ofícios junto de entidades estrangeiras cujos posicionamentos aconselham sériamente a que se active um quadro de relações bilaterais que, a prazo, pode revelar-se útil para ambos os países. Espera-se que seja essa reciprocidade de interesses estatais - além de Portugal ter uma importante comunidade de emigrantes na Venezuela - que se venha a reforçar, designadamente numa fase da conjuntura internacional em que o preços das fontes energéticas são o que se sabe e que tudo, directa ou indirectamente, depende da loucura petróleo e dos especuladores que o controlam. Por isso Parabéns ao dr. Mário Soares pela sua lucidez e forma física e até humildade intelectual em estar sempre pronto para aprender mais e mais até aos dias do fim. Qualquer pessoa com boa visão lhe atribuíria 68 anos. 2. Hugo Chavez é mais inteligente e culto do que supunha, seja nas suas referências seja na forma como articulava as questões de política nacional, internacional ou mundial e até na poesia e cultura que depositava nas valorações que expendia - ante o evidente fascínio do entrevistador. Um camponês que veio do nada e de boa formação cristã e com uma formação militar - mas democrática (sic) - exerce o poder democrático de forma musculada na Venezuela e é amigos dos pobres. 3. A última razão é mais uma deriva que pode servir de exemplo a outros políticos espalha-brasas que possam colher no exemplo de Mário Soares uma via de prudência a seguir. Ou seja, se olharmos para outros casos de políticos - no activo ou já na reforma - que tenham uma intervenção interessante identificamos, de forma perversa, a intervenção abusiva e até kamikase que, por exemplo, santana lopes teve durante um certo tempo de sua vida. Soares fez política pura e aplicada, Lopes também, mas aquele consegue ter uma presença nos media fazendo entrevistas, dando testemunhos que mais nenhum outro político em Portugal consegue ter. Certamente que Mário Soares não se compara a ninguém por razões óbvias, nem aqui se pretende fazer um paralelo entre um e outro (que seria uma tremenda injustiça para Mário Soares), mas isto não deixa de ser uma lição para todos aqueles políticos que - ao abusarem do uso dos media num determinado tempo - jamais conseguiriam ter uma participação activa nos media. Ou seja, pretendo apenas sublinhar uma lei da comunicação que aqui parece vigorar: nuns casos, a presença nos media conserva, projecta, enaltece e até dignifica - como testemunhamos em Mário Soares; noutros casos - essa mesma presença nos media desgasta, fragmenta e escavaca. Santana e os santanistas e as gentes dessas escola e maneira de fazer política deveriam meditar nestas simples cogitações que se inscrevem na esfera da comunicação política em Portugal.
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