quarta-feira

A vingança das nações detentoras do petróleo sobre o Ocidente europeu

Há uns anos o académico Samuel Huntington defendeu a teoria de que a fonte fundamental de conflito neste novo mundo deixou de ser ideológica ou predominantemente económica - para se apoiar em grandes divisões culturais e religiosas. E apesar dos Estados continuarem a ser os actores principais do sistema internacional são as nações que passam a registar esses conflitos civilizacionais que passarão a dominar a política global. Dessa nova equação nasceu aquilo que denominou clash of civilizations - numa tese que fez carreira internacional e tornou o seu autor mundialmente conhecido. Hoje, ante a especulação diária do petróleo sobre o ventre mole do Ocidente, caberá questionar se o "móbil do crime" é só de tipo económico ou tem alguma outra componente (mais cultural/civilizacional) na sua relação com o Ocidente - hoje cada vez mais prisioneiro dessa fonte energética que funcionaliza a economia e a sociedade ocidentais.

Em nossa opinião, a questão não decorre exclusivamente do móbil económico - numa mera análise marxista - em que os países da OPEP pretendem "esfolar vivo" o Ocidente, numa espécie de nova guerra global em que os velhos colonizados pelos impérios do Velho Continente são agora explorados pelos países detentores de cerca de 75% das jazidas petrolíferas mundiais - situadas na região do Médio Oriente.

Defendendo esta análise - mais weberiana do que marxista - mais pluralista do que assente na unidimensionalidade da razão económica legada pelo velho barbudo Carlinhos Marx, somos de parecer que a origem desta especulação assente nos preços do petróleo encontra raízes na própria consciência humana. Ou seja, o estudo do comportamento humano é, essencialmente, o estudo do conflito entre os agregados humanos. Quer entre os pobres e ricos, quer entre os ricos e os pobres entre si, numa lógica alternada entre a esfera internacional e a esfera intra-societal. E essa é a razão pela qual a violência entre esses dois mundos hoje se exerce através desse instrumento de arremesso que é o petróleo e seus derivados.

Trocando por miúdos: os senhores do petróleo, quase todos tão corruptos quanto antidemocráticos, que deixam propositadamente os respectivos povos vegetar na iliteracia e na fome, pretendem controlar e dominar os outros povos (o Ocidente, neste caso). Como nunca o conseguiram fazer pela via ideológica ou militar, ou até pelo pelo modelo de sociedade e de organização da economia de mercado ou ainda pela sedução do poder tecnológico, recorrem agora à única arma (que é a matéria-prima) de que o Ocidente precisa para o 3º Mundo infligir esse dano ao 1º Mundo.

Esta nova relação na esfera da globalidade revela que, doravante, ao invés da Guerra Fria, o mundo já não se divide mais entre capitalistas e comunistas, bons e maus, economia de mercado e economia planificada (com planos quinquenais), democracia e ditaduras, mas segundo a sua cultura e civilização, e é em função desses valores que se faz a "nova gestão estratégica" das fontes de energia (sua distribuição e comercialização) que uns têm e outros não. Nesta óptica, a subida do preço do petróleo não se pode (nem deve) explicar apenas com base naquilo a que poderíamos designar pelo efeito do economês internacional: crise do sub-prime, estagflação, desvalorização do dólar ante a apreciação do euro, etc.

Mais importante do que tudo isso, existe, sim, é uma vontade de certos países produtores de petróleo da OPEP (os mais radicais que nutrem maior ódio ao Ocidente) dilacerarem a economia do Velho Continente especulando diáriamente nos preços do ouro negro nos mercados internacionais. É como se os detentores do petróleo soubessem que quem vende o petróleo domina, na linha do que em tempos - embora noutro contexto - observou o historiador Fernand Braudel acerca do movimento das civilizações. Hoje, curiosamente, é o Ocidente que tem que se sentar diáriamente na cadeira do dentista...

Portanto, diria que a razão desta especulação recorrente tem motivações políticas, ligadas ao passado colonial, ao peso da história e à vingança das nações, para utilizar uma expressão cara ao engenheiro de minas francês - Alain Minc - que também é um dos mais brilhantes analistas políticos contemporâneos.

Hoje é, sem dúvida, o petróleo o 5º elemento que faz com que o 3º Mundo (rico em petróleo) se sinta forte na medida em que torna fraco o Ocidente e a sua economia tão dependente que está dessa fonte energética.

Numa palavra: a actual crise petrolífera, a 3ª mais grave, seguida da de 1973 e de 1979, aquando da queda do Xá Mohammad Reza Pahlavi no Irão (então aliado dos EUA) e substituído por Ayatollah Khomeini (que inaugurou a verdadeira revolução islâmica no mundo contemporâneo) - deriva, essencialmente, duma grande motivação: a de que um grupo de homens procura sempre - pela astúcia ou pela força - controlar outro agregado humano - por forma a que aquele grupo de homens sinta um bem-estar psicológico com essa dependência e humilhação "do outro" - que hoje se abate sobre o todo o Ocidente rico em estilo de vida, mas pobre em petróleo.

Eis, em nosso entender, a razão principal que explica esta subida constante dos preços do petróleo, que até já levou o Secretário-Geral da OPEP a apelidar essa inflação de loucura. Uma loucura que explica a natureza do homem, e é pelo homem ser como é - conflituoso por natura - que continuam a existir conflitos irracionais no mundo (de que esta especulação é um sinal), quer no plano individual, quer ao nível das nações.

Como se o declínio do poder ocidental fosse seguido pelo recuo da cultura ocidental, e aqui o poder económico, rapidamente crescente de algumas petro-nações do Médio Oriente pode, a prazo, até mesmo relativamente aos EUA que passará pela 1ª vez na sua história a ter um negro na Sala oval da Casa Branca, a fomentar uma onda crescente de conflitos militares e de natureza política originados pela luta do acesso às matérias-primas estratégicas, pelo menos enquanto uma fonte energética alternativa ao petróleo não fôr descoberta e colocada a bom preço no mercado global.

No limite, creio que o petróleo não passa de um mero pretexto para o 3º Mundo exercer essa humilhação sobre o Ocidente - numa espécie de reedição de vingança das nações pobres do mundo sobre um Ocidente rico e ex-colonizador (ainda apoiante de Israel - que tem impedido a formação do Estado Palestino, o que tem aumentado a conflitualidade entre judeus e árabes) - mas pobre em ouro negro.

Eis a hora da vingança, o momento do ajuste de contas entre estes dois mundos: os have e os have not petróleo.