Direitos humanos e passividade - por Francisco Sarsfield Cabral -
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Direitos humanos e passividade, in Pública
Um dos traços chocantes da tragédia do Zimbabwe é a falta de empenho dos outros dirigentes africanos em ajudar aquele país a livrar-se de Mugabe. O Zimbabwe era um dos países mais prósperos da África, mas tornou-se, graças a Mugabe, uma desgraça absoluta. A inflação é astronómica, a produção agrícola caiu brutalmente e um quarto da população do Zimbabwe teve que fugir do país para sobreviver.
Este êxodo preocupa os vizinhos do Zimbabwe e parece tê-los finalmente acordado para a necessidade de agirem. O SADC (Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, agrupando 14 países) tomou algumas tímidas iniciativas para ajudar a resolver a crise do Zimbabwe.
Mas o Presidente da África do Sul, Mbeki, que tinha sido encarregado de mediar o conflito entre Mugabe e a oposição, manteve um escandaloso imobilismo, evitando beliscar o ditador. Ao ponto de ser criticado por Jacob Zuma, o novo presidente do seu próprio partido, o ANC, e provável futuro presidente da África do Sul.
Enquanto Mbeki pedia “paciência” e dizia não ter chegado o momento para a comunidade internacional intervir no Zimbabwe, Angola não mexeu um dedo nem disse uma palavra para afastar Mugabe. Pelo contrário: Angola mandou militares para ajudarem a repressão naquele país. E foi em Luanda, depois de recusas de Moçambique e da África do Sul, onde finalmente parou um cargueiro chinês com armas para Mugabe. Os tiranos protegem-se uns aos outros.
A oposição a Mugabe bem se queixou do “silêncio ensurdecedor” de África perante a situação no seu país. Mas a União Africana (UA) permaneceu indiferente, até porque no seio dela não faltam autocratas de longa duração, de Kadhafi na Líbia a Museveni no Uganda ou Bongo no Gabão.
Assim, só se percebe perceber a convicção do ministro português dos Negócios Estrangeiros de que valeu a pena convidar Mugabe para a cimeira entre União Europeia e a UA, em Dezembro, se tivermos presente que a diplomacia portuguesa em relação a África, em geral, e a Angola, em particular, está refém de interesses económicos. Interesses portugueses em Angola e angolanos em Portugal.
Na cimeira Mugabe ouviu de Angela Merkel fortes críticas em nome da UE – críticas que lhe entraram por um ouvido e saíram pelo outro. Nem se viu que tenham aumentado, a partir de então, as pressões da UA (se as houve) para afastar Mugabe.
A UE faz gala, com alguma razão, no seu “soft power” (poder não militar) para pressionar a democratização de outros países, em particular os que aspiram a entrar no clube. Mas não parece dar grande resultado a tendência europeia para ser simpático com quem viola direitos humanos.
Em relação ao Zimbabwe, e com a excepção do ex-colonizador, a Grã-Bretanha, os países europeus, incluindo Portugal, preferem a passividade. Ao contrário dos Estados Unidos, através de Condoleezza Rice, que já falou forte e feio várias vezes. Os europeus receiam ser acusados de neo-colonialistas e por isso deixam os africanos proteger os seus ditadores.
No mesmo sentido, repare-se nas relações da UE com dois grandes regimes autocráticos, o russo e o chinês. A Europa está a deixar-se entalar numa crescente dependência energética da Rússia. Merkel, ao contrário de Sócrates, ainda falou grosso a Putin, mas os “pipelines” para o transporte de gás natural russo lá se vão multiplicando.
Quanto à China, se esta deu um pequeno passo no sentido de dialogar com o Dalai Lama, tal ficou a dever-se às manifestações na passagem da chama olímpica, em particular em Paris. As quais, aliás, provocaram violentas contra-manifestações na China, por exemplo junto a supermercados Carrefour – o que levou Sarkozy a esquecer as suas ameaças de não participar na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos.
Aliás, o presidente francês esteve há meses em Pequim a vender aviões Airbus e outro equipamento, evitando qualquer reparo às violações dos direitos humanos pelas autoridades chinesas. Agora, o semanário The Economist alarma-se com a “assustadora” disposição xenófoba de milhões de chineses, sugerindo que a futura superpotência que é a China se poderá tornar mais perigosa do que previam os optimistas.
A passividade europeia face aos atentados aos direitos humanos não é uma atitude eticamente aceitável nem politicamente realista. A “realpolitik” acaba por se revelar contraproducente.
Francisco Sarsfield Cabral
Jornalista
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