domingo

A ditadura angolana

Mais cedo ou mais tarde a frase que Bob Geldof ecoou numa conferência em Lisboa a convite do bes de Ricardo Salgado e de Pinto Balsemão - segundo a qual Angola é governada por criminosos - será encarada de forma mais expressiva pela Comunidade internacional. Portugal apenas tem aqui uma visibilidade maior porque foi a potência colonizadora. Mas a falta de direitos, liberdade e garantias - volvidos mais de 30 anos das independências africanas, jamais poderá ser assacada a Portugal. Trata-se duma opção reiterada de o Governo de Eduardo dos Santos manter o controlo do aparelho de Estado através do seu regime militar e de democracia musculada - que garante a oportunidade de serem sempre os mesmos a mandar no sistema de comando do País - mantendo as velhas contradições e desigualdades internas. As empresas estrangeiras que negoceiam com Angola calam-se para poderem usufruir da continuidade dos negócios que geram lucros avultados, os Estados têm também interesses políticos e económicos na manutenção do status quo - pois assim desenvolvem um quadro de relações bilaterais que propiciam investimentos de parte-a-parte e as Organizações Internacionais (de vocação universal como a ONU e suas instituições especializadas) - já desistiram de denunciar a situação da falta de democracia pluralista e da forma como a riqueza é gerida e utilizada internamente - gerando desigualdades gritantes que todos nós conhecemos: ao fausto da riqueza gratuita e do estilo de vida dos ministros (ao mesmo tempo empresários) coabitam favelas e o povo extropiado que vive com menos de 1 dólar por dia. A corrupção é a "lei", desde o arrendamento de um espaço para viver à aquisição de uma licença para laborar em qualquer sector de actividade. O rule of law e a observância da lei proporcionando um quadro de igualdade de oportunidades para todos é alí um elemento estranho ao corpo político - que utiliza as riquezas do solo a seu belo prazer e com total desrespeito pelos direitos humanos do povo angolano. É óbvio que Bob Geldof disse em vox-alta aquilo que o mundo digno pensa há muito em privado.

A conclusão é óbvia: os regimes de ditadura são incapazes de se reformarem a si mesmos, ou seja, se eduardo dos santos tivesse adoptado a opção pelas eleições livres, democracia pluralista, com sindicatos e uma imprensa livres - tal implicaria a denúncia da corrupção de toda a rede clientelar que gravita e suporta o regime angolano. Seria, pois, uma denúncia que mandaria abaixo os militares e os actuais políticos que hoje exploram e exaurem os recursos de Angola sem critério, salvo o das suas contas privadas e não, como deviam, tendo em linha de conta programas de desenvolvimento social, económico e cultural que favorecesse o progresso económico, material e espiritual da nação angolana.

Incapazes de evoluírem internamente, precisamente porque são uma ditadura mascarada sob uma aparência democrática, só porque alguns deputados da UNITA marcam figura de corpo presente no parlamento, o regime dos santos continua igual a si mesmo: privilegiando os rendimentos da classe política e da clic militar que suporta o regime, cede em alguns apoios e programas à população mas isso não implica, a não ser que sejam pressionados do exterior, que as eleições livres de que se fala, prossiga verdadeiramente a institucionalização de um regime de democracia pluralista, de tipo democrático-parlamentar - que susbstituiria a petrodemocracia mitigada com diamantes que hoje dinamiza a acção política em Luanda.

É uma pena que ricardo Salgado Espírito santo, Pinto balsemão, marcelo e até o governo português - em cada uma das suas esferas de influência e níveis de responsabilidade - não pressionem o governo dos santos a agendar o mais rápidamente possível essas tais eleições livres e democráticas em Angola, de que o actual presidente fala com total desprezo, sinal autentico de que é tudo menos um verdadeiro democrata.

Numa palavra: o povo angolano merecia outros políticos a governar o país, e não as pessoas que Bob Geldof qualificou em vox-alta e que o mundo já há muito sussura como sendo pessoas da mesma estirpe.

De resto, se ricardo Espírito santo, balsemão, marcelo, e muitos empresários com interesses em Angola pensassem um pouco, rapidamente perceberiam que se aquele mercado progredisse, se os milhares de angolanos que hoje vivem no limiar da pobreza dentro de 5/10 anos integrassem a classe média - os bancos, as seguradoras, as empresas do sector alimentar e demais actividade económica entre os dois Países aumentariam os fluxos económicos e todos ganhariam nesse quadro de vantagens comparativas.

O problema é que a oligarquia económica, financeira, militar e política quer continuar a ganhar muito, razão porque hoje ninguém - nem a clic angola nem os empresários portugueses que com eles negoceiam - pretendem alterar o actual status quo.

O povo que se lixe, e, de futuro, os empresários portugueses só convidarão artistas cujo pensamento social e económico seja conhecido antecipadamente, para não haver surpresas desagradáveis nem comunicados de imprensa com o fito de os anfitriões se demarcarem das declarações de Bob Geldof, o único com coragem a falar verdade no meio deste mundinho de parasitas, baratas e escorpiões...