sexta-feira

Breve "estória" do PSD: o sá-carneirismo, o cavaquismo e o casuismo esquizofrénico. O Labirinto da Lapa

Todos nós transportamos os nossos próprios labirintos, com segredos, indecisões e perplexidades à mistura numa terrível confusão de sentimentos em que por vezes a condição humana é confrontada. Com a história e evolução dos partidos políticos, porque feitos de homens e mulheres, a coisa também não é diferente. Esta reflexão, ainda que de forma tosca, visa dar uma pincelada na trajectória do PSD para explicar o ponto a que chegámos. Um ponto de indecisão, ausência de ideias, muita esquizofrenia, autofagia e pitadas de elementos fatricidas que atravessam aquele que é, segundo se diz, o partido mais interclassista do sistema político português.
Desta feita, temos um 1º momento ligado a Sá Carneiro e aquilo que ele representou: fundador do partido, um homem de inteligência superior, então um homem de comunicação e de fácil improviso, corajoso que aceitou tomar riscos e, assim, fundou o partido e colou nele uma imagem de Portugal liberal a caminho da modernização e da europeização de Portugal, resolvido que começava a estar a questão do império, das liberdades do 25 de Abril e da libertação do regime por parte da tutela militar que ainda povoava a Constituição. Por ter sido um fundador marcante do PSD e um homem carismático e ter morrido de forma tão trágica quanto enigmática, o "sá-carneirismo" fez escola, apesar dos seus pupilos serem uma pálida sombra do seu "mestre".
Um 2º momento sobreveio com Cavaco e com o cavaquismo - que marcou a década de 80 e 90 do séc. XX. Foi nesse período que se fez a integração de Portugal na então CEE, transformando Portugal num país destinatário de Fundos europeus que serviram para modernizar a rede viária do País, sedimentar uma classe média até então inexistente no Portugal rural, agrícola e pobre e, também, para encher os bolsos de sindicatos e sindicalistas corruptos que utilizaram indevidamente esses fundos comunitários para proveito próprio e a que a Justiça nunca conseguiu julgar devidamente. Aliás, a Justiça em Portugal é, talvez, a componente da soberania e das funções do Estado de direito mais incompetente que Portugal tem e que, por causa disso, penalisa as pessoas, as empresas e a actividade económica (interna e externa/investimento) e até o próprio Estado - dando de si uma imagem de gritante impunidade - intra-e extra-murosi. Hoje as coisas ainda não estão muito diferentes em matéria de Justiça, e é pena. A corporação também não ajuda e antes de pensar no País só pensa nela e nos seus privilégios e estatuto.
Um 3º momento coincide, grosso modo, com o termo do cavaquismo, em 1995, animado por um casuismo fratricida e esquizofrénico - mais ou menos convincente que tem dado ao País escassos frutos: Durão desertou, Santana sucumbiu ante a insustentável levesa do ser, o resto não passou de sucessivas ejaculações precoces na vida pública nacional sempre que o País esteve sob direcção do PSD no seu ciclo post-Cavaco. Curiosamente, Durão e Santana foram os pupilos de Sá Carneiro, e nenhum outro - como eles (esse misto de Gabriel Alves & Zandinga, como diria o Durão-congressista) - ajudaram a precipitar tanto o PSD como eles. Por isso defendo que se fosse possível a Sá Carneiro cá regressar renunciaria, certamente, aos desenvolvimentos políticos que esses dois players fizeram simultanemamente ao PSD e ao País nos últimos 15 anos. Anos de muita ambição pessoal, egocentrismo e de pouca produtividade, nenhuma liderança e ausência de desenvolvimento efectivo no País.
Este esboço ajuda a explicar muito daquilo que é, sempre foi, o PSD: um partido sem ideologia fixa, liberal e social democrata, interclassista, reformista, amigo distante do povo mas sentado à mesa com os ricos com quem negoceia, que ora governa à direita ora governa à esquerda. Uma manta de retalhos, dirão uns, um catch-all-party dirão outros. Um partido que viveu, essencialmente, das lideranças e de algum empresariado-amigo. Sempre que elas foram fortes (Sá Carneiro e Cavaco) o partido sobreviveu e impôs um rumo para Portugal; sempre que elas vacilaram e foram tão egocêntricas quanto incompetentes (Durão, santana), o partido entrou em autofagia, sem piedade dos pequenos líderes que foram ficando pelo caminho (Mendes, Santana e Meneses), como se fossem velhas carcaças de animais na savana africana, ou velhas carroçarias encostadas nas ruas de Havana. O PSD é, pois, um partido de extremos, conseguindo o melhor e o pior numa sucessão temporal impressionante.
Governou razoavelmente quando teve fundos comunitários, estampa-se quando o défice das finanças públicas de que - em parte foram autores - impede uma visão de futuro, e aí aperece-nos uma imagem sombria que se reflecte naquela metáfora do passado que no presente quer conquistar o futuro do partido: Manuela Ferreira Leite. Não deixa de ser curioso, para não dizer paradoxal que apareça alguém no passado em nome dum futuro.
Ou seja, no decurso destes três momentos (Sá Carneiro, cavaquismo e casuismo fratricida) o PSD tem vivido num sobressalto permanente.
Se o 1º momento correspondeu uma fase - digamos - religiosa/fundacional na transição do regime da ditadura para a democracia, o 2º momento traduziu a fase mercantilista, feita de grandes obras públicas e bons negócios, que ora beneficiaram o País ora encheram os bolsos aos patos-bravos que, por ausência de controlo inspectivo por parte das autoridades públicas e duma certa ingenuidade bruxelense, transformou o Portugal moderno num território assimétrico, com um litoral hiper-desenvolvido, e com um interior a definhar, tendência que o reformismo socialista de Sócrates começou - paulatinamente - a inverter desde há três anos a esta parte.
Hoje, vive-se o 3º momento que tem difícil qualificação por não traduzir nada ou nenhuma ideia ou visão estruturante para o País, visto que quando se tenta sistematizar a acção política do PSD de Durão + Santana o resultado é uma mão cheia de nada, na proporção directa das respectivas ambições pessoais que nunca coincidiram com os efectivos interesses nacionais de Portugal. Por isso, qualificámos este 3º momento de casuismo esquizofrénico, capaz do melhor (com Cavaco) e do pior (com Durão + Santana), curiosamente a dupla-maravilha directamente herdeira do sá-carneirismo do PPD/PSD cuja fórmula Santana torpemente gosta de soletrar.
Em suma: à (1) fase religiosa de Sá Carneiro somou-se a (2) fase mercantil de Cavaco. Hoje, contudo, o partido depara-se com a sua (3) fase casuista e esquizofrénica - que, pela natureza das coisas, somado a uma ausência de elites no psd, prefigura um cenário de luta pela liderança no partido que apenas visa arrumar a casa, mas não disputar as eleições legislativas com Sócrates em 2009.
E mesmo que o actual PM não conquiste a maioria absoluta e se fique pela maioria relativa, tal deve-se a uma transferência de votos para o PCP e para o BE e não para o PSD, o que demonstra a suspeita de que o partido da Lapa não crescerá até identificar, de facto, uma liderança que seja ao mesmo tempo credível e dinâmica. Ou seja, uma liderança capaz de pôr o seu líder a conseguir simultaneamente falar para o partido e a consquistar o País, como há dias dizia António Vitorino no seu programa - Notas Soltas - quando se reportava às dificuldades que Manuela Ferreira leite (a herdeira de Cavaco, assim como Santana o foi de Sá Carneiro) terá de enfrentar neste 4º momento ainda inominado.
Eis o labirinto do PSD nos próximos anos. Ou seja, o laranjal está lá, as laranjas também, mas o caminho para lá chegar e comê-las ainda se revelará problemático, espinhoso...