sexta-feira

Labirinto - por António Vitorino -

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LABIRINTO , in DN António Vitorino jurista
No seu discurso na cerimónia comemorativa do 25 de Abril o Presidente da República voltou ao tema da qualidade da democracia, desta vez na vertente da participação dos jovens na política. Ou talvez melhor, das causas de não participação.
Os exemplos dados, recolhidos de um inquérito feito pela Universidade Católica, são impressivos no que diz respeito ao desconhecimento de elementos factuais da nossa vida pública actual ou recente.
Mas seria injusto estigmatizar os jovens portugueses por tal facto. Inquéritos semelhantes levados a cabo noutros países europeus conduziram a resultados equivalentes. E, contudo, os jovens de hoje têm acesso a um manancial de informação muito mais amplo e diversificado e, muitas vezes, interessam-se, desde muito cedo, por temas de que as gerações anteriores só viriam a ocupar-se numa idade mais adulta (saúde, ambiente, ajuda humanitária, por exemplo).
Contudo, o exemplo dado dos jovens portugueses poderia estender-se mesmo ao conjunto da população: há de facto uma diminuição do interesse pela política em geral e, consequentemente, uma contracção da participação dos cidadãos na vida pública.
Este alheamento das coisas públicas é mais saliente na esfera política, incluindo a quebra da filiação e da própria militância partidária. A maneira como (ainda) se fazem campanhas eleitorais em Portugal (e os custos inerentes) prova que o modelo de generosidade militante dos primórdios da democracia logo após o 25 de Abril já só se mantém como uma ficção: a forma é a mesma, mas o conteúdo é dado por uma máquina partidária oleada e especializada e por empresas de comunicação e de serviços vários que compõem o quadro.
Do mesmo modo, a quebra de participação afecta também o mundo sindical e um vasto espectro de organizações não governamentais. No ano passado uma conhecidíssima organização ambientalista internacional teve como tema dominante do seu congresso anual precisamente o tema da incapacidade de mobilização dos cidadãos para as suas causas e como a ultrapassar.
O problema, portanto, não é exclusivo da participação política e deriva de uma matriz cultural e de vida colectiva onde os valores da solidariedade, da partilha e da responsabilidade cívica estão em perda.
Mas não se pode diluir numa questão de ordem geral o que tem raízes específicas no caso da participação política.
Importa reconhecer, por isso, que, no mundo de comunicação global em que vivemos, a política constitui uma das actividades humanas que mais dificuldade tiveram em se adaptar às novas regras. Dito de outro modo: a política perdeu o seu "nicho de mercado" reservado, entrou em concorrência directa com outros "produtos" comunicacionais e... perdeu!
Perdeu por incapacidade de adaptação do discurso político aos novos ditames simplificados da mensagem que passa, seja na forma seja no conteúdo. E mesmo quando pretendeu mimetizar outras formas simplificadas de comunicação (de que os populistas de esquerda e de direita são bons exemplos), caiu na banalização ou no descrédito.
Vários inquéritos mostram uma queda abrupta da leitura dos jornais (onde, em tese, se publica o essencial da opinião política), com excepção dos jornais desportivos, fazendo com que cerca de 70% dos europeus digam que tudo o que sabem sobre política lhes vem através da televisão.
Mas na televisão a política foi praticamente banida do prime time, com excepção de alguns serviços públicos e, claro, dos canais de cabo especializados. Mesmo nos jornais televisivos, uma observação atenta do alinhamento prova que a política perdeu dominância e muitas vezes é incluída... porque não pode deixar de ser.
Por contraste, a Internet vai ganhando um espaço próprio no plano político, mas no limite ainda aspirando sobretudo a ser "repescada" pelos grandes meios de comunicação de massas.
Este fenómeno não resulta de uma conspiração tenebrosa contra a política e contra os políticos, como alguns por vezes dizem assumindo o papel de vítimas.
Mas que ele corresponde a um labirinto de que a política tal como é feita hoje ainda não sabe como sair, lá isso corresponde!"
Obs: António Vitorino (AV) produziu uma interessante reflexão na sequência da modesta apresentação do PR por ocasião do 25 de Abril, numa tentativa de explicar as razões que estão na base do alheamento dos jovens da coisa pública. Mas AV, de facto, vai mais fundo e sistematiza aqui um conjunto de circunstâncias que justificam a perda crescente da esfera política ante a emergência de sedução de outros produtos comunicacionais que ocupam os jovens nos seus tempos livres e de lazer, e até no domínio do estudo e do trabalho.
De resto, um conhecido estudo de Robert Putnam -
BOWLING ALONE: THE COLLAPSE AND - REVIVAL OF AMERICAN COMMUNITY - revela que as pessoas se estão progressivamente a desconectar da família, dos amigos e dos vizinhos - revelando fissuras na forma como as estruturas da Democracia funciona e a dificuldade - por parte dos agentes políticos e sociais - em reestabelecer essas conexões. O autor do estudo, Robert Putnam revela ainda - e em complemento da reflexão oportuna e da estimulante peça de sociologia política e da comunicação que António Vitorino aqui partilha, que o nosso stock de capital social - que decorre da fábrica que produz essas conexões em interacção com as pessoas - empobreceu substancialmente. Quer nas nossas vidas quer nas nossas comunidades, dado que o que afecta a vida individual também acaba por tolher o universo colectivo desse quadro de relações.
Hoje socializamos menos, e os vizinhos só interagem quando a casa de um no prédio comum foi assaltada ou há um funeral, de resto isso sucede um pouco nas demais relações desta nova sociedade que estamos a construir. Nesta multidão solitária...
Na prática, hoje vamos todos jogar bowling sózinhos, mas como Portugal não tem muito essa tradição nem isso fazemos. Sendo certo que a própria Internet e a revolução nas TIC veio, também, empobrecer esse ambiente geral de perda nos laços humanos e no capital social, salvo nas relações à distância e de forma virtual, garantia de muito pouco.
As mudanças no trabalho, na estrutura da família, na composição etária das sociedades - que vivem mais tempo - , e no estilo de vida urbano e suburbano, na oferta televisiva, pois como referiu António Vitorino (boa parte do que se sabe é por essa via e por esse "filtro") - tudo junto - contribuiu para esse declínio.
Então, se a América de Putnam tem de reinventar a sua sociedade civil - que em Portugal muitos confundem com "construção civil", o que nós diremos por cá!?
Espero, esperemos é que para fazer essa inversão não tenhamos todos de ir fazer um mestrado à Católica servido pelo dr. Espada..., senão é que passamos a jogar bowling sózinhos no decurso da próxima década...