Um caso de provincianismo, in Público
Antes do 25 de Abril, os poucos jornalistas estrangeiros que trabalhavam em Portugal deram um auxílio precioso à oposição ao regime. Através desses correspondentes, Mário Soares, por exemplo, conseguiu tornar conhecidas no mundo notícias que desagradavam ao regime e que a censura impedia de divulgar internamente.
Logo após o 25 de Abril e durante o agitado PREC (processo revolucionário em curso) Portugal fazia manchete em jornais e revistas de toda a parte. Ao país afluíram muitos e qualificados jornalistas estrangeiros, para seguirem os acontecimentos político-militares que aqui se sucediam.
Depois, felizmente, veio a normalização democrática. O país deixou de representar uma ameaça ao equilíbrio entre o Ocidente e o império soviético e, como seria de esperar, o interesse dos “média” internacionais por Portugal reduziu-se.
Mas não é do interesse nacional vivermos ignorados do globo neste cantinho ocidental da Europa. A imagem que predomina de Portugal no estrangeiro (quando existe alguma imagem) é a de um país antiquado, tristonho e simpático. Não é o que mais convém a quem tem de competir internacionalmente e precisa de atrair turistas e investidores.
Ficamos satisfeitos por Cristiano Ronaldo ou José Mourinho se tornarem celebridades. Mas não chega. De vez em quando gastam-se milhões em propaganda colocada em jornais e revistas de outros países. No entanto, ignoram-se os correspondentes estrangeiros que estão entre nós e que, de forma mais eficaz e bem mais barata, poderiam contribuir para uma maior projecção de Portugal no mundo.
Na recente sessão comemorativa dos 30 anos da Associação da Imprensa Estrangeira em Portugal – realizada, não por acaso, na Fundação Mário Soares – foi chocante ouvir o que vários correspondentes contaram sobre a maneira como os poderes públicos os ignoram e marginalizam. Desde a dificuldade de acesso destes correspondentes (que trabalham em regra isolados) aos membros do Governo e a altos dirigentes do Estado, blindados por assessores que nem sempre os atendem ao telefone nem respondem às suas chamadas, até à exigência corrente de exigir o envio de um “e-mail” para as mais singelas perguntas (como saber a hora de uma conferência de Imprensa) não faltaram exemplos raiando o absurdo.
A excepção terá sido um secretário de Estado do Turismo, Alexandre Relvas, que percebeu as vantagens de convidar um grupo de correspondentes estrangeiros para uma viagem no Douro, em vez de comprar caríssimas páginas de publicidade na imprensa internacional. Até porque as pessoas acreditam mais em artigos de jornalistas do que em anúncios. Mas também se falou da jornalista de uma agência alemã, que esperou em vão dois meses e meio por uma entrevista com um responsável pelo turismo, acabando por ser presenteada com um folheto relativo ao programa turístico… do ano anterior.
Não dar importância aos correspondentes estrangeiros revela uma razoável dose de estupidez. Não aproveitamos o interesse desses jornalistas pelo nosso país, ao não os ajudarmos a produzirem histórias capazes de levarem os respectivos órgãos de comunicação social a publicá-las.
Mas essa atitude revela também o provincianismo português. O nosso pequeno mundo circunscreve-se às trapalhadas da política nacional, ao futebol doméstico e a pouco mais. Adoramos que os estrangeiros digam bem de nós e até os tratamos com simpatia, mas fechamo-nos na nossa concha.
Décadas e décadas de isolamento internacional deixaram a sua marca, claro. Mas, de um modo geral, os portugueses que emigraram integraram-se bem noutros ambientes e noutras culturas. Mostraram uma abertura ao diferente que já se manifestara nos Descobrimentos. Só que nós somos descendentes dos que ficaram por cá…
Esta mentalidade fechada e provinciana é fatal num mundo onde os transportes e comunicações progrediram vertiginosamente. No passado, ela trouxe duas consequências aparentemente opostas: um complexo de inferioridade perante tudo o que é estrangeiro (automaticamente valorizando o que se faz “lá fora”) e a rejeição dos “estrangeirados”, isto é, dos que pretenderam modernizar Portugal. No presente, o provincianismo dificulta a nossa afirmação económica e cultural num mundo cada vez mais globalizado. Implica ficarmos à margem.
Francisco Sarsfield Cabral
Jornalista
Obs: Mais um eficiente e oportuno artigo do Francisco, não só por espelhar um "puxar" pela classe de que faz parte com brio, competência e isenção, além da enorme experiência que faz dele já um decano dos jornalistas económicos e políticos em Portugal com quem sempre se pode aprender, mas também porque o Governo, a Administração e os actores sociais em geral devem ter os canais abertos com os correspondentes estrangeiros acreditados em Portugal por razões óbvias que acima são explicadas.
Não o fazer, como refere Sarsfield Cabral, é um sinal de pacóvia "estupidez". Por outro lado, os assessores, consabidamente, há-os de dois tipos: 1) os Assessores-pavões - que foram convidados para a função através de um quadro de relações pessoais mas sem nenhuma capacidade intelectual, técnica e cultural que os habilitem a exercer cabalmente essas funções, daí ao deslumbre e ao perfume do poder vai um passo, razão por que não sabem usar do poder que têm e tornam-se naturalmente arrogantes para com as pessoas em geral e os correspondesntes estrangeiros em Portugal; 2) e os Assessores por vocação - que são verdadeiros homens de gabinete, intelectual, técnica e culturalmente capazes de compreender rapidamente uma questão/problema e sobre ele edificar uma comunicação ou um quadro de solução que pode ajudar o agente político a tomar uma decisão em prol do bem comum de que falava Aristóteles.
Aqui também é importante a formação cultural e humana do Assessor, que deve ser alguém pouco impressionável, que não se deixe seduzir pelo perfume do poder e relativizar o sentido das coisas na perene existência da vida: a humildade, a competência, a ductibilidade de raciocínio, e o sentido de missão pública de par com a sua imaginação sociológica - devem conciliar-se para encontrar o melhor quadro de comunicação entre esse triângulo de poder que a pressão do tempo coloca à troika de actores que, a dado momento, tem de fazer a quadratura do círculo:
1. O correspondente - deseja obter informação especializada junto do assessor e pressiona-o nesse sentido;
2. O assessor - tem de saber fornecê-la na justa medida sem, contudo, falar de mais nem de menos: se falar de mais abre o jogo e penaliza o núcleo da decisão comprometendo o interesse público; se falar de menos, revela excesso de prudência que pode ser lido como medo;
3. E o agente/decisor político - quando toma a sua decisão deve fazê-lo com segurança, mas também com a garantia de que o jornalista estrangeiro cá acreditado dá uma imagem tão favorável quanto positiva do País donde reporta, porque é da qualidade dessa informação debitada para o mundo que se forma uma percepção e uma imagem externa do que é hoje o Portugal político, económico, social e cultural.
Numa palavra: quanto melhor os correspondentes estrangeiros forem tratados no nosso país mais e melhor é a imagem externa de Portugal. Quanto aos assessores arrogantes são, por regra ignorantes, o decisor político só tem que fazer uma coisa: substituí-los por pessoas qualificadas, é que a imagem e fiabilidade do governo, duma autarquia ou da administração em geral (ou até duma empresa privada cujo objectivo é o lucro) passa também por ter quadros qualificados à sua frente, não o fazer também é um sinal de estupidez.
Daí a oportunidade e a eficácia com que esta sábia reflexão do Francisco nos interpela para tão crucial questão no quadro da comunicação pública que hoje se coloca à generalidade dos decisores em contexto de globalização competitiva.
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