segunda-feira

Duas lições de Espanha - por Francisco Sarsfield Cabral -

O sublinhado é nosso.
Duas lições de Espanha, in Público
A campanha eleitoral em Espanha foi dominada por temas económicos. É compreensível: durante uma década a economia espanhola cresceu mais de 3% ao ano, a maior taxa na zona euro entre 2000 e 2007, mas já começou o ciclo do abrandamento. Embora muitos espanhóis ainda não o sintam no bolso, tornou-se claro ter chegado ao fim esta fase de rápida expansão, que levou a Espanha a ultrapassar a Itália em riqueza por pessoa.
O desemprego está a subir em Espanha, o que já não acontecia há quatro anos. Embora não atinja os altíssimos valores de há quinze anos, o desemprego espanhol abrange hoje 8,6 % da população activa, nível ligeiramente superior ao português.
A inflação também se encontra em alta (4,4 %, em Fevereiro) o que limita a capacidade competitiva dos bens e serviços de Espanha. A economia espanhola cresceu 3,8 % no ano passado (o dobro da portuguesa), mas em 2008 deverá crescer pouco mais de 2 %. Nada de dramático, é verdade, nem que ponha em causa o novo patamar que a economia espanhola entretanto alcançou. Algumas das multinacionais europeias com maior sucesso são espanholas – como a Zara ou o banco Santander.
O dinamismo económico de Espanha atraiu uma enorme quantidade de imigrantes (quase 4 milhões nos últimos sete anos), que aliás também contribuíram para essa expansão e ajudaram a equilibrar as contas da segurança social. Quase 10 % dos residentes em Espanha são hoje estrangeiros.
Os imigrantes e os reformados de outros países que decidiram viver em Espanha impulsionaram a construção de habitações, tornando este país no maior consumidor de cimento da Europa. O preço das casas subiu muito durante anos sucessivos - mas a tendência altista já começou a desacelerar.
Ora a construção e o consumo foram os motores do “boom” espanhol. As famílias espanholas endividaram-se tanto como as portuguesas para comprar casa (muitas vezes, uma segunda habitação). Agora, com o crédito mais difícil e mais caro e as casas a não se valorizarem no mercado, as famílias tendem a cortar no consumo para não entrarem em ruptura financeira.
O abrandamento do consumo não será compensado por um correspondente acréscimo das exportações de bens e serviços. É certo ser Espanha o país europeu que mais turistas recebe. Mas no turismo e, sobretudo, nas exportações de mercadorias regista-se uma certa quebra de produtividade, logo, de capacidade concorrencial (acrescendo à alta dos preços). A Espanha tem agora o maior desequilíbrio externo da zona euro, equivalendo a quase 10 % do PIB.
Este desequilíbrio precisa de correcção, implicando uma travagem nas importações. Ora a Espanha é o principal cliente das exportações portuguesas. E é de lá que vem a maior parte dos estrangeiros que nos visitam. Por outro lado, muitos portugueses trabalham hoje em Espanha – fala-se em 400 mil. Alguns deslocando-se semanalmente do Minho para a Galiza, por exemplo (tradicionalmente muito pobre, a Galiza é das regiões que nos últimos tempos mais se desenvolveram em Espanha).
Os reflexos da desaceleração económica espanhola vão, assim, reflectir-se negativamente no nosso crescimento e no nosso desemprego. O optimismo oficial do Governo parece não ter na devida conta esta ameaça.
Mas a Espanha dispõe de um trunfo importante para contrariar o enfraquecimento da expansão da sua economia. As contas públicas espanholas tiveram, em 2007, um excedente de 2,3 % do PIB (nós ficámos felizes com um défice inferior a 3 %). Ou seja, o Estado espanhol tem condições para lançar políticas anti-cíclicas, visando espevitar a actividade económica. Daí que tanto Zapatero como Rajoy se hajam multiplicado em promessas de reduzir impostos e de aumentar despesas.
Há aqui duas lições a tirar. A primeira tem a ver com a ideia errada, mas corrente, de que o sucesso económico dos outros países é mau para nós. É exactamente ao contrário: só teremos a lucrar se a desaceleração económica espanhola for moderada e breve. E as nossas débeis taxas de crescimento nos últimos anos teriam sido ainda mais baixas se a Espanha não registasse aquela forte expansão. A economia não é um jogo de soma nula.
A segunda lição mostra-nos a vantagem de ter contas do Estado equilibradas ou até com saldo positivo, em tempo de vacas gordas. Para que, em tempo de vacas magras, se possa estimular a economia com dinheiros públicos. Francisco Sarsfield Cabral Jornalista
Obs: Mais um lúcido e rigoroso artigo do Francisco, mostrando que a economia é um jogo de soma variável, e que o que é bom para Espanha reflecte-se positivamente em Portugal, o que é mau para o país vizinho, que ontem somou mais uma vitória pelo lado do PSOE de Zapatero - reflecte-se negativamente na nossa economia. Além de que Sócrates, que estará certamente atento à situação, até porque invejará o excedente (2,3% do PIB) das contas públicas espanholas, poderá tirar algumas conclusões políticas e agir em conformidade. É, certamente, o que irá fazer.