sábado

Política, uma arte? - por Manuel Maria Carrilho -

POLÍTICA, UMA ARTE?
Manuel Maria Carrilho
A situação que se tem vivido com a crise financeira que abala o mundo mostra, mais uma vez, como a economia é, afinal, uma ciência pouco mais rigorosa do que a astrologia. Hábil nas profecias de curto prazo, a economia revela-se incapaz de previsões ou antecipações seguras de médio ou longo prazo.
É nestas alturas que se pode avaliar o que seria um mundo sem política, entregue - como tantos às vezes defendem - ao mercado e às suas "mãos invisíveis". É também nestes momentos que melhor se percebe como o mercado só serve a sociedade se - e só se - ela não abdicar de se conduzir a si própria, e de lutar pelos seus desígnios colectivos.
E isto só a política o pode, legitimamente, fazer. Mas, dir-se-á, a política não está, também ela, em crise? Claro, mas aqui a história é outra, e há nela coisas novas e coisas velhas. As mais velhas têm a ver com o natural balancear entre esperança e decepção que desde sempre marcou a relação dos cidadãos com os seus governos. As mais novas são sobretudo três: em primeiro lugar, a globalização, que reforça a ideia de uma crescente incapacidade dos governos nacionais. Depois, o desgaste dos partidos, que acentua a impressão de organizações pouco sensíveis aos problemas das pessoas. Por fim, a emergência de uma poderosa opinião pública que, apoiada em redes de informação cada vez mais cruzadas e amplas e num individualismo cada vez mais consolidado, questiona em permanência a acção do poder, sobrepondo-se aos Parlamentos no escrutínio dos executivos e na denúncia das suas falhas.
É por isso que o maior desafio que os políticos têm hoje pela frente é o de serem contemporâneos de seu próprio mundo. O que implica assumir que a sua acção se joga em duas frentes: por um lado, na capacidade de decisão sobre matérias complexas e sobre assuntos que não podem esperar. E, por outro lado, nos rumos a propor à sociedade em contextos de alta contingência, em que a sua acção tem quase sempre mais consequências do que as que foram previstas.
Como diz Daniel Innerarity, "os políticos fazem mal uma coisa que até hoje ninguém conseguiu fazer melhor do que eles" - o que, não sendo uma ciência, não deixa de ser uma arte.
Interessante este artigo de MMC, se nem sempre o seguimos por tão raras ver acertar, aqui temos uma excepção, por sinal bem apoiada em Daniel Innerarity - também professor de filosofia na Universidade Zaragoza - cuja obra valerá a pena consultar. Agora fiquei confuso e não sei a quem hei-de felicitar pela exposição desta reflexão, talvez a ambos...