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Uma excepcional entrevista de Rui Pereira/MAI. Um homem de pensamento estruturado. Seria ministro em qualquer País do mundo

João Marcelino e José Fragoso
No seguimento de dias marcados por crimes no Porto e em Lisboa, o ministro da Administração Interna Rui Pereira encontrou um espaço na sua preenchida agenda, marcada até por compromissos resultantes da presidência portuguesa da UE, para abordar os sempre delicados temas relacionados com a segurança dos cidadãos. Nela admite que o paradigma da alta criminalidade no País está a mudar em sintonia com a globalização, ou seja, que o tráfico de pessoas está a ocupar o espaço de delinquência que antes era exclusivo de tráfico de droga. Como sempre, a lei corre atrás do crime e a luta cabe a todos, a começar pelas forças de segurança que estão, diz o ministro, a ser reorganizadas e equipadas.
Depois de vários crimes violentos no Porto, sobretudo relacionados com empresários da noite, também Lisboa foi palco de um crime com recurso a um engenho explosivo. A que se deve o aparecimento deste tipo de criminalidade que era relativamente desconhecida num país como o nosso?
Não é o primeiro atentado que se comete, já houve atentados à bomba no contexto da actividade das FP25. Mesmo fora dele, recordo-me de ter havido atentados à bomba por razões passionais. Claro que é raro haver um crime com estes contornos, com estas características. Ainda bem que é raro e é desejável que, tendo acontecido este homicídio, haja uma investigação criminal célere e muito eficiente. Tenho confiança na Polícia Judiciária, que é uma polícia com provas dadas e que certamente vai deslindar este crime. Respondendo à sua pergunta diria o seguinte: até ao fim de Setembro houve menos crimes e menos crimes graves e violentos em Portugal do que no período homólogo do ano passado. Mesmo no âmbito dos homicídios. Mas quero tornar claro que não estou despreocupado com a situação, estou atento. Como ministro da Administração estou preocupado e estou a desenvolver todos os esforços para que as forças de segurança respondam de forma competente.
Que tipo de esforços?
Depois dos crimes na chamada noite do Porto e de Lisboa, reuni várias vezes com o gabinete coordenador de segurança e transmiti instruções para uma resposta integrada e global, que se desenvolve a vários níveis, um deles o do próprio patrulhamento. É preciso que haja visibilidade das forças de segurança onde é mais provável a prática de crimes. É também necessária uma actividade inspectiva, que inclua as forças de segurança, a PSP e a GNR, no âmbito das suas competências territoriais, mas também outras entidades competentes para fiscalizar a actividade administrativa de certos locais de diversão. Por exemplo, o SEF, um órgão de competência específica em matéria de imigração clandestina, em matéria de tráfico de pessoas, e a ASAE, que tem competência em determinadas matérias que se relacionam com locais de diversão. Além disso, é bom não esquecer que as próprias autarquias têm competências para aplicar coimas em certas situações. Por fim, há o plano da investigação criminal. O programa do Governo baseia-se muito na ideia de segurança comunitária, policiamento de proximidade e protecção de vítimas especialmente carentes. Programas como o Escola Segura, Idosos em Segurança baseiam-se nessa ideia. Mas, no caso dos homicídios, a própria investigação criminal e a punição dos responsáveis são elementos decisivos para a prevenção. Em suma, diria que a criminalidade em geral não está a aumentar, mas há sinais que nos devem levar a reflectir e a agir e esses sinais relacionam-se, se me permitem uma resposta um pouco mais integrada, com o surgimento de um novo fenómeno a que tem de se dar uma resposta internacional.
Qual?
O tráfico de pessoas. Nos últimos 30 anos, em Portugal, enfrentámos uma criminalidade que se desenvolveu muito à custa do fenómeno do tráfico da droga, que era ainda incipiente na década de 70 e desenvolveu-se, levando a que surgisse uma criminalidade organizada, relacionada com os traficantes, mas também uma pequena criminalidade de massa relacionada com um número elevado de pessoas com problemas aditivos que foram obrigadas, entre aspas, a praticar crimes contra o património com ou sem violência para alimentar esses hábitos aditivos. De tal maneira que há alguns anos, num relatório do senhor provedor de Justiça se dizia que metade da população prisional portuguesa estava encarcerada por crimes relacionados com consumo ou tráfico de droga. Portanto, este era o paradigma. Hoje, está-se a desenvolver um fenómeno relativamente novo que é o tráfico de pessoas. Porquê? Em primeiro lugar porque há mercados de recrutamento muito vastos, depois da queda do Muro de Berlim. Por exemplo, a possibilidade de recrutar seres humanos para efeitos de exploração sexual ou laboral a leste, e não apenas em África, não apenas no Oriente, aumentou exponencialmente.
E de que forma faz a polícia o seguimento desse fenómeno?
Eu falei em cooperação internacional justamente por causa do carácter transnacional do fenómeno. Há mercados de recrutamento, há mercados de destino, porque temos na Europa, nos vários Estados, classes com capacidade suficiente para alimentar esse mercado e portanto é necessário fazer-lhe frente. Agora, o que é necessário para fazer frente? É necessário que haja cooperação.
No "Diário de Notícias" de ontem, sábado, um dirigente sindical disse que a polícia portuguesa precisa de mais meios técnicos, de mais equipamento. É uma preocupação válida?
Sem dúvida. É sempre necessário que haja mais meios, nunca devemos estar satisfeitos. Mas eu devo dizer, acompanhando a actividade da polícia de forma muito próxima desde há 12 anos, que têm sido feitos grandes progressos e é injusto não reconhecer isso. Progressos na preparação humana e profissional e também em relação aos meios. Quando nós convivemos diariamente com uma realidade tendemos a não apreender imediatamente a mudança, mas, a polícia de hoje, do início do séc. XXI, é em Portugal uma polícia muito mais preparada do que era há 20 ou 30 anos.
Mas a questão é a da comparação com os meios de outros países. E até dos meios deste próprio tipo de criminalidade. Não em relação ao nosso passado...
Recentemente estive com o vice-presidente [da Comissão Europeia] Frattini e com o Presidente da UEFA, o senhor Platini, numa reunião sobre violência desportiva em que a polícia portuguesa foi muitíssimo elogiada, pela sua preparação, pelos seus meios, pela sua capacidade de resposta e de cooperação com os congéneres estrangeiros. Em matéria de estrangeiros e fronteiras, que envolve estes fenómenos de tráfico de pessoas, houve recentemente no Porto o primeiro exercício das equipas de intervenção rápida da agência europeia Frontex, onde o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras foi altamente elogiado pelo presidente dessa organização, um finlandês.
Mas porque é que as polícias se queixam sistematicamente que os criminosos andam em carros mais velozes, têm armas melhores, e que a própria organização deles é muitas vezes difícil de acompanhar pelo volume de efectivos que existe? Se ainda por cima assistimos a uma subida do padrão de criminalidade, este discurso dos policias não faz sentido?
O discurso dos polícias enquanto profissionais preocupados com a paz pública, com a prevenção e repressão da criminalidade faz todo o sentido, faz todo o sentido que eles peçam meios melhores. Afinal, estão a pedir os instrumentos necessários para desenvolver com a máxima competência a sua ambição.
E vão ter esses meios?
Vão ter esses meios. Recordo que foi aprovada uma lei de programação das forças de segurança, um instrumento da maior importância porque pela primeira vez permite uma visão articulada das necessidades da PSP e da GNR, abrangendo um universo de cerca de 50 mil agentes e militares. Essa lei implica um reforço de investimento muito significativo, que no ano que vem já implicará uma subida de 70% em relação às necessidades das forças de segurança. Investimento nas instalações, porque há instalações que são obsoletas, nas viaturas, porque há efectivamente automóveis que carecem de renovação, nos meios informáticos, que têm de ser generalizados, e na rede de comunicações, porque também uma rede de comunicações de segurança interna que possibilite o fácil contacto entre todos os agentes envolvidos no sistema de segurança é essencial. Portanto, nós estamos atentos a essa realidade e queremos realmente, compartilhando essas preocupações, modernizar as forças de segurança portuguesas.
Na relação entre as várias entidades: a PSP, a GNR, também a Polícia Judiciária, há mais coordenação na área da investigação criminal? Ou continua a existir rivalidade entre estes grupos de investigação?
Quando existem várias forças e vários serviços de segurança e quando existem vários órgãos de polícia criminal há duas formas de rivalizar: há uma forma positiva, isto é, quando cada agente vê os bons exemplos de outro e os tenta imitar, e há a forma negativa pelo qual, por exemplo, um agente pretende que as coisas corram mal a outro para este não ser melhor. O que nós queremos é incentivar a rivalidade positiva, a que se chama em linguagem vulgar emulação. Queremos, realmente, que as forças de segurança sejam bem coordenadas, cooperem lealmente, imitem as boas práticas umas das outras, comunguem e partilhem a informação necessária.
Quer dizer que nem sempre tem sido assim...
A regra é esta. Claro que toda a regra comporta excepções. Devo dizer o seguinte: desde que, há pouco mais de seis meses, cheguei de novo ao Ministério da Administração Interna tenho acompanhado a actividade de agentes envolvidos neste esforço da segurança em dois planos. No plano da protecção civil, dos comandos distritais de operações de socorro, e no plano do gabinete coordenador de segurança, quer o central quer os distritais a cujas reuniões também tenho assistido com alguma frequência. E aquilo que tenho verificado, para ser inteiramente franco, é que o clima cooperativo é hoje francamente maior do que era há alguns anos. No essencial, as forças de segurança, os órgãos de polícia criminal, os agentes de protecção civil compreendem que servem o Estado e a comunidade e que devem cooperar realmente entre si, essa é a regra. Mas além da atitude boa vontade é necessário criarmos condições para isso, o que significa, como tem sido amplamente noticiado, rever a lei de segurança interna e a lei de organização da investigação criminal, revê-las justamente para assegurar melhor coordenação, melhor cooperação, partilha de informação útil e necessária, de acordo com um princípio de competência, e reforçar a eficácia da acção de polícia.
O combate ao terrorismo é uma das prioridades dos governos europeus, em termos de segurança interna. Durante a presidência europeia esta questão não foi excepção. Do que é que tratamos hoje quando se fala de terrorismo?
Sem desviar a questão e [sem querer fazer] um auto-encómio, gostaria de elogiar a Presidência Portuguesa da União Europeia em matéria de assuntos internos também. Nós tínhamos três grandes objectivos nucleares: o alargamento do espaço Schengen, a prevenção do terrorismo e a abordagem global do fenómeno das migrações. O alargamento do espaço Schengen foi um sucesso que deixa a Portugal um grande crédito nos novos Estados membros da União Europeia. Foi graças a um trabalho da Presidência Portuguesa e de Portugal, começado ainda antes da presidência - que envolveu tecnologia de empresas portuguesas - , que se conseguiu alargar o espaço Schengen. A réplica do sistema de informações Schengen português permitiu aos vários Estados membros que entraram partilhar esse espaço de liberdade, segurança e justiça. A 21 de Dezembro as fronteiras vão ser levantadas numa cerimónia em que estará presente José Sócrates, o Presidente da Comissão, Durão Barroso, e vários outros convidados, também o comissário Frattini, eu próprio, enfim, muitos outros convidados. É um grande sucesso que dá um significado muito concreto ao Tratado porque, para além deste, que é uma ideia um pouco mais abstracta para os cidadãos da Europa, temos uma Europa sem fronteiras. Sobre terrorismo conseguimos durante a nossa presidência algo que não foi tão notório mas foi igualmente importante. Há muitos meses que estávamos sem coordenador da luta antiterrorista na União Europeia e conseguimos um consenso entre ministros da Administração Interna sobre o perfil e mesmo sobre o nome do novo coordenador da luta antiterrorista que é, como sabem, o senhor Gilles de Kerchove.
Quando se fala em combate ao terrorismo hoje falamos de quê? As forças perseguem grupos organizados, sabem de quem andam atrás?
Vou-lhe recordar um facto muito relevante. Há pouco mais de um mês foram detectados grandes atentados terroristas, provavelmente desencadeados pela Al-Qaeda na Alemanha, na Áustria, que graças à cooperação internacional foram desmantelados. Portanto, a história do terrorismo global não acabou.
Portugal aparece como alvo em algumas notícias?
Portugal pertence a um espaço que é alvo. O que tem de novo o chamado terrorismo global é uma grande indefinição de objectivos. Quando tínhamos o terrorismo de inspiração ideológica ou nacionalista, sabíamos que os atentados se confinavam a espaços e objectivos mais ou menos delimitados. O terrorismo global tanto pode atacar na Indonésia como no Reino Unido, nos Estados Unidos como em Espanha e, portanto, nós temos de estar atentos e prevenir, porque aqui remediar é pouco.
E o estar atentos tem a ver também com escutas telefónicas feitas pelos serviços secretos?
Em Portugal como é sabido os serviços de informações não podem fazer escutas.
Isso é a resposta legal...
Legal e constitucional porque a Constituição, a propósito das escutas, tem duas normas que dão a chave do problema. O artigo 34 número 4 da Constituição diz, sem tirar nem pôr, que só pode haver escutas no âmbito do processo penal, e o artigo 32 número 4 diz que os actos praticados no processo penal que se refiram directamente a direitos têm de ser autorizados por juiz. Ora bem, a conjugação destas duas normas leva a que em Portugal só possa haver escutas no processo penal e não no âmbito dos serviços de informações e a que as escutas tenham sempre de ser autorizadas por juiz e controladas por juiz. É este o regime. A Constituição pode mudar para permitir escutas preventivas levadas a cabo por serviços de informações, para prevenir o terrorismo? Claro que pode mudar...
E deve mudar?
O meu pensamento é mais do que conhecido. Creio que repetir agora a discussão não faz muito sentido porque só em sede de revisão constitucional é que o problema pode ser realmente tratado. O que sempre defendi no passado, é que entendo que no nosso país não deve haver escutas administrativas. Defendo que, no caso do terrorismo, pela gravidade do fenómeno e pela necessidade de prevenir, deve haver escutas preventivas. Ora, a chave está na conciliação destas duas afirmações, escutas não administrativas, escutas preventivas. Como é que se consegue? Eu escrevi isso há cerca de 10 anos. Concilia-se, na minha opinião, se houver uma comissão de juízes que no plano de prevenção, em relação aos serviços de informações, autorize essas escutas. Mas, repito, para tanto será necessário que haja uma revisão constitucional, que haja um grande consenso político na sociedade portuguesa.
Mas é favorável portanto às escutas dos serviços secretos?
Tenho a minha posição de sempre sobre isso.
Vamos entrar numa fase importante na organização da polícia e da GNR. Há meses, o Presidente da República vetou a lei orgânica da GNR. Porque é que, na altura, o PS e o Governo insistiam na necessidade de o comandante-geral ser um general de quatro estrelas?
Não quero alijar responsabilidades mas, quando cheguei ao Governo, o Governo já tinha aprovado a proposta de lei. E a proposta de lei encontrava-se na Assembleia da República. Pela parte que me respeitava, apesar disso, fiz tudo o que me pareceu possível para criar consensos. Infelizmente não foi possível criar um consenso na Assembleia da República antes da aprovação da lei da GNR e depois houve um veto. O veto tem de ser encarado com naturalidade. Isto já foi sublinhado pelo senhor Presidente da República: por norma, em relação aos diplomas que lhe chegam, os vetos têm sido excepções excepcionalíssimas. E no caso da lei orgânica da GNR ainda é justo destacar que o veto se referiu a três aspectos apenas de uma lei complexa e vasta. Realmente... à graduação do senhor general comandante-geral. Por outro lado, às condições de acesso ao generalato na Guarda e, finalmente, à cooperação da Guarda e da Marinha em missões costeiras, ou, melhor dizendo, à forma do diploma, que deveria ser decreto regulamentar.
Mas em relação à questão do general: ter de ser um general de quatro estrelas...
Repare, o que lhe estou a dizer é que houve um entendimento do senhor Presidente da República, expresso no veto, de que a graduação do senhor general comandante-geral prejudicaria o equilíbrio entre Forças Armadas e Guarda Nacional Republicana. No exercício das suas competências, o senhor Presidente da República vetou, e o Governo extraiu daí as necessárias ilações, criando condições para haver um muito maior consenso em torno da lei orgânica da GNR. Recordo que depois a lei foi aprovada com votos a favor do PS e do PSD, com a abstenção do CDS/PP...
E faz sentido que a GNR tenha de manter esta vertente militar nos dias de hoje?
Faz. Faz todo o sentido, francamente.
Porquê?
Por várias razões muito fáceis de explicar. Em primeiro lugar porque a PSP passou de força militarizada a civil; em segundo lugar porque a PSP comporta hoje sindicatos; em terceiro lugar porque desapareceu o serviço militar obrigatório; e em quarto lugar porque, de entre as missões no estrangeiro, há algumas que exigem a participação de uma força de segurança de natureza militar. Por exemplo, nós só pudemos participar na Gendarmerie europeia porque dispomos de uma GNR, caso contrário não poderíamos participar. Portanto, há boas razões para haver equilíbrio entre uma força civil e uma força militar, que se complementam na sua acção e que prestam o melhor serviço em termos sistémicos aos portugueses.
Vamos entrar numa fase de reorganização da PSP e GNR e nesse sentido vão ser extintas as Brigadas de Trânsito (BT) e a Brigada Fiscal da GNR. O que vai acontecer aos actuais elementos dessas unidades?
Em primeiro lugar nós temos em curso um processo de reestruturação, que não está atrasado, porque já se eliminaram as situações de partilha de freguesias na maioria dos casos. Recentemente terminou o curso de formação dos novos agentes da PSP, o que vai permitir agora o reforço do dispositivo. Recordaria aqui, o que não é de somenos importância, que esse reforço vai ser sobretudo em Lisboa, 430 agentes; no Porto, 298 e, em Setúbal, 136, através de um sistema de transferências.
E que diferenças fará isso para o cidadão? Como é que o cidadão vai receber essa reestruturação?
Neste reforço do dispositivo, a percepção é óbvia. O cidadão verá...
Mais polícias nas ruas?
Provavelmente mais agentes e militares nas ruas. Agora, respondendo à sua questão: quanto à GNR - e a reestruturação só agora pode ser concluída também porque só a 6 de Dezembro entrou em vigor a lei orgânica - não se trata só de extinguir. Nós vamos criar uma unidade especial de trânsito para tomar conta desse grande e rico património da Brigada de Trânsito. Essa unidade será responsável por acções de formação, por uniformização de procedimentos e mesmo por acções territoriais de maior vulto. O que nós pretendemos é evitar que haja duplicação entre acções da BT e das brigadas territoriais. E foi esse o sentido da revisão da lei orgânica. Mas deve continuar a existir uma unidade de trânsito, assim como continuarão a existir unidades fiscais. Porque em relação ao domínio fiscal há uma coisa óbvia: os crimes fiscais não são localizados territorialmente. São crimes que se espalham no território e que ultrapassam até fronteiras.
Quem vai fazer a Operação Natal e Ano Novo, por exemplo?
Quem vai fazer a Operação Natal e Ano Novo é um elevadíssimo conjunto de meios que envolve a PSP, a GNR...
Já não será a BT?
A BT não desaparece por efeito de uma vara de condão de um dia para o outro. Depois da entrada em vigor da lei orgânica temos um caminho a percorrer que é o da reafectação de pessoas que estavam na BT. Algumas certamente permanecerão na unidade de trânsito e outras serão afectadas ao dispositivo territorial.
Quem centralizará essa operação nacional. A PSP?
A força que tem uma competência mais acentuada na operação é sem dúvida a GNR, que tem o domínio da vias principais.
Os sindicatos têm manifestado alguma preocupação com a eventualidade de se colocarem na rua agentes que estavam na secretaria, sem preparação para estar no dia-a-dia no terreno. Como responde a essas preocupações?
Existe um número elevado de elementos das forças de segurança que desempenham actividades burocráticas e administrativas. Esta é uma conversa que tem muitos anos. E com base nessa realidade entendeu-se que os membros das forças de segurança deveriam ser na maioria dos casos transportados para o trabalho operacional. Agora surge a reserva de que muitos deles estarão tão adaptados a tarefas burocráticas ou administrativas que é difícil pô-los na rua. Eu diria que essa reserva, com toda a franqueza, tem um sofisma: pensar que o trabalho operacional é só de patrulhamento. Não é.
E se for. Será necessário distinguir essas pessoas?
É óbvio que quando falamos de forças de segurança, falamos em pessoas com idades e capacidades muito diferentes. Um jovem de vinte e tal, trinta anos, tem sem dúvida capacidades físicas diferentes de um homem de 50 anos. Mas é equivocado pensar que um homem de 50 anos que é polícia é incapaz de se envolver em trabalho operacional. Eu tenho 51 anos, não sou polícia, mas acho que consigo realizar trabalho executivo. O que está em causa é o conjunto de actividades operacionais que as forças de segurança levam a cabo. Hoje, as forças de segurança têm um conjunto de missões mais diversificado do que nunca. São responsáveis pela manutenção da paz pública mas têm agora um trabalho muito importante no domínio da prevenção.
Acha que essas preocupações não fazem sentido?
A preocupação faz sentido. Mas para que, no exame das funções de polícia que serão atribuídas a pessoas que estão a desempenhar tarefas predominantemente burocráticas, se encontre o tipo de missão adequado à sua formação, características e capacidades. E valorizando a formação contínua, que deve ser uma constante nos elementos de forças de segurança.
Uma pergunta concreta para uma resposta rápida: os polícias têm recebido instruções para serem mais severos em situações como as greves e manifestações?
Uma resposta rápida: não!
Coordenou a Unidade de Missão para a reforma penal. Reconheceu-se no texto final?
Penso que o Código Penal e o Código de Processo Penal revistos, a lei-quadro da política criminal, a lei de execução da política criminal para o próximo biénio, são instrumentos legislativos que constituem uma excelente oportunidade para reforçar a prevenção e o combate à criminalidade com respeito pelos direitos fundamentais. Uma síntese muito conhecida mas que não posso deixar de repetir. No essencial, revejo-me nos diplomas finais que foram aprovados. Pode haver uma ou outra norma com a qual em termos subjectivos não concorde mas isso já foi assim na unidade de missão, com representantes dos conselhos superiores de magistratura (judicial e do Ministério Público), representantes da Ordem dos Advogados, das polícias...
Mas revê-se ou não naquilo que acabou por ser o texto final dos diplomas?
No essencial, sim.
Em que aspectos houve mais diferenças?
As leis penais são matéria de cidadania. Nós vivemos numa democracia representativa. O legislador é a Assembleia da República, que tem uma reserva de competência nos termos da Constituição. Portanto, é esta que tem competências - e bem - para aprovar leis. Mas isto não é alijar responsabilidades. No essencial, os diplomas que foram aprovados retratam o meu pensamento sobre o direito penal.
O senhor foi em tempos director do SIS. Tem saudades desse tempo?
A minha visão da vida é: devemos realizar-nos no trabalho que fazemos. Quando fui assistente universitário gostei de dar aulas. Gostei muito de ser assessor do Tribunal Constitucional e de fazer projectos de acórdão. Gostei muito de ser director do SIS porque foi a minha primeira grande experiência de organização de recursos humanos. Lidar com organizações é muito gratificante. Vê-las crescer, tornar-se mais eficazes. Gostei de ser secretário de Estado, da Unidade de Missão, de estar duas vezes no tribunal Constitucional e gosto agora muito do trabalho de ministro, embora seja muito complexo e difícil.
E nesse tempo do SIS sentiu-se um bocadinho agente secreto?
Não. Senti-me responsável por um serviço de informações, mas nunca me senti um operacional. Não confundo os papéis das pessoas e tenho muito respeito pela verdade operacional.
Obs: Uma grande entrevista de Rui Pereira, MAI, que reflecte, em primeiro lugar, o pensamento de um homem excepcionalmente inteligente, técnica e políticamente bem preparado. Há dias, um amigo, o Fernando F. foi ao meu encontro, e quando dei por ele estava a falar com o autor desta entrevista, por extensão também tive o privilégio de o cumprimentar. Uns dizem que é cagança, direi que é orgulho, até porque gostaria de ter tido um homem destes como docente. Aprende-se imenso, até direito..., com largueza política.
Esperemos, contudo, que a sinistralidade, a criminalidade e todas as formas de crime com baixa, média e alta intensidade diminuam substancialmente em Portugal sob esta direcção política.