Um mérito da presidência portuguesa da UE
- in DN
A Cimeira UE-África acaba hoje. Passou incólume aos protestos populares, na sua maior parte contra países que ainda não respeitam os direitos humanos. Sobretudo o Sudão e o Zimbabwe.
Em parte isso deveu-se à fraqueza dos protestos, que não chegaram para ofuscar o acontecimento, uma cimeira entre dois continentes, com os representantes de um quarto da população mundial.
Mas o sucesso também se deveu ao facto de tanto José Sócrates como Durão Barroso não terem omitido, precisamente, a questão dos direitos humanos. Falaram ambos com o Chefe do Estado do Sudão, Omar al-Bashir, numa reunião de mais de uma hora - o que é muito para uma reunião, mas pouco para resultados.
A agenda de uma cimeira destas fazia dela um evento muito difícil. Qualquer ténue avanço seria considerado um sucesso. E, neste caso, houve uma verdadeira revolução: não se falou da requentada questão colonial - como acontecera no Cairo, há sete anos -, mas preparou-se o caminho para um novo relacionamento que tanto pode funcionar na economia, como na diplomacia e nos direitos humanos. O mérito de ter aberto este caminho - e ter insistido que valia a pena segui-lo, mesmo com as dúvidas, por exemplo, da Grã Bretanha - é todo da presidência portuguesa da União Europeia.
As riquezas de África sempre foram cobiçadas pelo resto do mundo. Durante séculos foi o ouro, depois os seus próprios homens (a tragédia do tráfico negreiro), mais tarde os diamantes e agora cada vez mais o petróleo, que abunda em países como a Nigéria, o Sudão ou Angola. Na primeira linha da busca das oportunidades em África está hoje a China, que descobriu um terreno fértil para se abastecer das matérias-primas de que tanto necessita a indústria de um país cuja economia cresce todos os anos acima dos 10%.
No século XV uma grande esquadra chinesa chegou a visitar a costa da África Oriental (numa época em que as caravelas portuguesas desciam a costa ocidental), mas a morte do imperador que o patrocinava obrigou o almirante Cheng Ho a desistir da suas explorações. Só na segunda metade do século XX, já depois da descolonização, os chineses voltaram a interessar-se por África, na época em nome da solidariedade terceiro-mundista. Mas eram pouco mais do que figurantes, perante a grande rivalidade entre Estados Unidos e União Soviética que se tinha imposto no continente à medida que as potências europeias retiravam.
A presença actual da China é bem diferente. Mais poderosa. Mais influente. E uma séria concorrente tanto dos Estados Unidos como da União Europeia. Mas não é uma concorrência inteiramente justa. Existe uma óbvia vantagem das empresas chinesas, quando fazem negócios com África - a questão dos direitos humanos não conta. Ao contrário do que acontece no Ocidente, nenhum negócio com um Governo menos escrupuloso será escrutinado pela imprensa ou pela opinião pública.
<< Home