sexta-feira

O carácter oculto ou escondido das coisas

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Tenho de ser sincero: julgo que passo, ou melhor, que passamos, boa parte do nosso tempo falando de coisas que não dominamos na perfeição, em pormenor, com conhecimento de causa. Hoje qualquer pessoa, minimamente informada discorre sobre qualquer tema ou problema. Uma espécie de Faça você mesmo, uma "carpintaria" à medida que cada um desenvolve pensando, com isso, que depois é capaz de fazer móveis ou ser um expert em bricolage.

Por exemplo, quando abrimos a porta do frigorífico, podemos sentir o frio, mas desconhecemos a cadeia de operações técnicas que decorrem resultantes daquela operação, pois o compressor é activado a fim de trabalhar mais e, assim, compensar a energia perdida por se ter aberto a porta.

Por outro lado, se não estudarmos com algum afinco as leis da Política e da Economia dificilmente poderemos compreender sistemas complexos, e alguns são altamente complexos. Quem, senão o própio, poderá compreender Joe Berardo, Jardim Gonçalves ou um terrorista que se faz explodir com bombas à cintura depois de ter disparado contra Benazir Bhuto, a ex-Primeiro Ministro do Paquistão, hoje sepultada!? Embora aqui o móbil seja o mesmo: o lucro nos dois primeiros casos, e o fanatismo no último caso.

De facto, aprendemos pouco da Economia se só extrairmos lições da circunstância de comprarmos leite ou de consumirmos carne e peixe. Como compradores e consumidores aprendemos muito pouco. O mesmo se diga da circunstância de andarmos de avião, também não ficamos a compreender as leis da aerodinâmica. Numa palavra, as falácias que vamos sem querer cultivando e multiplicando, sobretudo quando nos armamos em sabixões ou em treinadores de bancada, decorre do erro das nossas próprias generalizações, muitas vezes resultado de experiências magras e limitadas.

Que sabemos nós de política só porque apertamos a mão a meia dúzia de políticos? É aqui que regressamos à história do termóstato do frigorífico que faz disparar o compressor quando se abre muitas vezes a porta. Em Portugal, por sinal, ainda vemos que muitos políticos cedem quando algumas corporações ameaçam ou fazem, de facto, greve. Embora com este PM, Sócrates, a coisa não tenha funcionado.

Por outro lado, as novas tecnologias, que hoje todos usamos no nosso quotidiano, são, em boa medida, trituradores de postos de trabalho para o conjunto da economia, mas se assim não fosse também não haveria progresso. Mas são as TIC que provocam boa parte da deslocação de empregos, de investimentos, de lucros, e até de mão-de-obra qualificada, pois pensa-se que assim o conjunto da economia ganha em termos comparativos e absolutos.

Um homem de negócios ligado aos petróleos, por exemplo, poderá falar da sua gama de serviços, preços e margens, mas já não conhecerá com detalhe a qualidade das brocas que fazem as perfurações, salvo se for um engenheiro experimentado que tenha metido a mão na massa no decurso da sua vida profissional. E nós, enquanto passageiros de um avião, também podemos referir umas banalidades acerca do conforto do avião em que viajamos, mas já não nos devemos arriscar a fazer comentários que são, em rigor, do foro de engenheiros aeronáuticos.

Ou seja, o que procuro aqui sublinhar é que passamos boa parte do nosso tempo a falar de coisas sobre que temos apenas uma visão superficial ou limitada, embora o façamos sob a aparência de grande conhecimento de causa. Fazendo lembrar aqueles tipos que se formaram na década de 70 e de 80 e querem, hoje, perceber os mecanismos da economia globalizada à luz dessas velhas teorias clássicas e neoclássicas que já há muito estão desactualizadas.

Maquiavel que sabia, de facto, da técnica da Política foi considerado um mero funcionário público, a quem de vez em quando os poderosos duma Itália em unificação entregavam umas embaixadas, para logo regressar à miséria e morrer ao abandono. Este sabia de facto da poda, mas o poder de então tratou-o como se fosse um mero generalista. De que adiantou - também - a Galileu - ter escalado a torre inclinada, que serviu para observar a velocidade de queda dos corpos, pesados e leves, senão para convencer os comerciantes cépticos de Pisa de que a força da gravidade não era uma construção meramente teórica.

E quantas vezes, nas nossas próprias casas, ingerimos medicamentos apenas com base numa mera leitura da posologia dos mesmos!? Muitas vezes, certamente!!!

Mas um dia lixamo-nos e acontece-nos o mesmo que sucedeu ao Galileu. Porque não conseguiu convencer os inquisidores a olhar através do telescópio, visto que a ideologia daqueles defendia que o que o físico via era uma barbaridade que não podia lá estar, a experiência que teve foi ter acabado numa fogueira, e parece que ardeu até às cinzas.

Agora vejam lá se não valerá a pena - continuar a ser generalista, pois mais vale apanhar umas boas críticas do que terminar os dias numa fogueira.