sexta-feira

EXPECTATIVAS - por António Vitorino -

EXPECTATIVAS
António Vitorino
jurista
Esta época do ano caracteriza-se por um certo apaziguamento da vida política, propício ao descanso e ao recolhimento familiar.
Não foram as evoluções referentes à situação do BCP e dir-se-ia que estávamos a desfrutar de um curto período de tréguas na refrega política. Esta fase é, pois, favorável a balanços e a traçar perspectivas para o novo ano.
Todos temos a consciência de que o ano que ora finda foi um ano duro e difícil para os portugueses. Os resultados alcançados, sobretudo no plano do equilíbrio das contas públicas e do lançamento de algumas reformas na sociedade, só foram possíveis graças aos sacrifícios dos portugueses e geraram em vários sectores descontentamentos e polarização.
Durante o ano foi-se tornando claro que os portugueses tinham consciência de que a situação do País não se compadecia com o imobilismo ou a desdramatização dos problemas com que nos defrontamos. E que se algumas das reformas iniciadas já produziram resultados, outras há, contudo, que só se poderão aferir com o decurso do tempo.
Por isso o balanço de final de ano que cada um fará varia em função das provações por que passou e das expectativas que nutre para os tempos mais próximos.
As sondagens de opinião que ciclicamente são feitas à escala europeia mostram normalmente os portugueses como dos povos mais pessimistas do continente. Figuramos acima da média quanto ao prognóstico negativo quanto à situação do mundo, do País e da própria perspectiva pessoal.
Em parte esta tendência parece decorrer do fatalismo que perpassa pela nossa cultura colectiva, por uma certa propensão nostálgica e ensimesmada de que individual e colectivamente damos sobejas provas quotidianas.
Mas este ambiente geral não se reproduz de igual forma em todos os estratos sociais. O consumismo natalício disso é um bom exemplo, desde a frequência dos centros comerciais às viagens aos paraísos tropicais. O que apela a uma reflexão séria sobre as desigualdades sociais e as diferenças de expectativas para o futuro próximo.
A igualdade de oportunidades de acesso aos benefícios do progresso económico e social defronta-se com as novas exigências de competitividade da economia no mundo global em que vivemos e com as assimetrias no acesso à educação, à cultura e aos instrumentos do conhecimento e da informação.
À exclusão social decorrente da pobreza, do desemprego ou da velhice acrescem novas causas de exclusão que se reportam às qualificações académicas e profissionais.
Embora alguns, perante esta complexidade de causas de exclusão, pareçam não ter outra resposta que não seja a do "desmantelamento" do Estado e a da privatização integral dos serviços sociais, torna-se cada vez mais evidente que neste combate o Estado tem tido e decerto terá que continuar a ter um papel fundamental. Mas o desafio que se coloca a quem acredita ser possível e necessário construir uma sociedade mais justa e solidária passa pela redefinição desse papel do Estado.
Decerto que não poderá ser apenas um papel assistencial, que minora os riscos de exclusão mas não se mostra suficiente para erradicar as causas da exclusão. Decerto que terá de ser um papel que incentiva mais do que impõe. Decerto que terá de ser um papel que regula mais do que se substitui às iniciativas dos cidadãos e das empresas. Decerto que terá de ser um papel que corrige desigualdades e promove uma redistribuição da riqueza mas que não ignora as crescentes limitações do sistema fiscal para alcançar esses objectivos.
A ideia de que é possível exigir isso tudo apenas de um mercado a funcionar em plena liberdade constitui um presente envenenado para esse mesmo mercado. Pode ser uma forma de "passar as culpas" mas decerto não constitui um meio de responder ao crescimento das desigualdades e dos riscos de exclusão social.
Entre o imobilismo de uns e a bravata desmanteladora de outros é grande o desafio de quem acredita que a justiça social e a solidariedade são valores fundamentais de uma sociedade coesa e de uma democracia moderna. É, pois, grande a expectativa na resposta às desigualdades sociais.
Obs: Um balanço realista feito por António Vitorino. Um balanço tanto mais realista quanto reconhece duas coisas: o mercado de Adam Smith, o tal da mão invisível só gera mais desemprego, exclusão social, desigualdade e pobreza, daí a necessidade de o Estado intervir de forma reguladora, corrigindo desigualdades, sobretudo em matéria fiscal e no domínio da redistribuição da riqueza e da criação de mais e de melhores oportunidades para todos.
A outra conclusão que extraío desta reflexão de balanço e de fecho de ano feita por AV - é que Luís Filipe Meneses é, ao mesmo tempo, aquilo que Joseph Stiglitz designaria por uma falha de mercado e uma falha política. Quando ele fala em "desmantelar o Estado" penso sempre que alguém está a gravar as suas conversas privadas quando ele e Santana lopes estão a jogar à sueca numa divisão da Lapa. Conversas privadas que, óbviamente, nenhum interesse público têm.
Também aqui o País está em crise, e um País em crise é aquele que não tem uma oposição à altura do governo em funções. E é pena, pois quem perde são sempre os portugueses.