sexta-feira

Desabafo - por António Vitorino -

Image Hosted by ImageShack.us

DESABAFO [link] António Vitorino

jurista

Numa entrevista com sabor a despedida, o embaixador americano em Lisboa exprimiu preocupação pela decisão do Governo português de reduzir em 2008 as forças nacionais que participam na missão da NATO no Afeganistão. Esta preocupação soa naturalmente a desagrado.

Um dos princípios básicos da participação dos países nas missões militares da NATO assenta na livre decisão nacional quanto ao tipo de forças a disponibilizar no quadro do planeamento global da missão, a cargo dos comandos da organização.

Portugal é um dos países das Nações Unidas que na última década têm estado presentes de forma mais relevante nas missões de paz, de gestão de crises e humanitárias, desde as antigas colónias africanas (Moçambique e Angola) até à Bósnia, ao Kosovo, ao Sara Ocidental e actualmente o Afeganistão. Acresce que, em termos relativos, o esforço português, quer em efectivos empenhados quer em gasto orçamental, é dos mais salientes na comunidade internacional.

Ainda me recordo de o secretário da Defesa americano ter reconhecido publicamente que o esforço de Portugal na missão da NATO na Bósnia, em 1996, era, em termos relativos, face ao conjunto do dispositivo de forças nacional, superior ao esforço americano. A observação pode ser tida como um exemplo de simpatia para com um aliado fiável, mas esses eram os tempos em que os americanos ainda percebiam o valor que esses gestos têm para consolidar uma aliança em que se acredita...

A preocupação do embaixador americano deveria, contudo, ser centrada na própria situação no Afeganistão e nas insuficiências da missão da NATO ao longo destes cinco anos, designadamente no período em que Portugal empenhou forças relevantes e que desempenharam missões de alto risco com grande eficiência e profissionalismo. Essas insuficiências resultaram em boa parte da falta de empenho de alguns aliados - designadamente na disponibilização de meios aéreos tácticos - por parte daqueles que os tinham e decidiram então não enviar na dimensão necessária às operações requeridas.

O impasse no Afeganistão não pode, aliás, ser compreendido sem ter em linha de conta o efeito da operação no Iraque e a evolução da situação interna no Paquistão. Em ambos os casos, a centralidade da posição americana aconselha um pouco mais de humildade quando se fala sobre a conduta dos seus aliados...

A decisão portuguesa em relação ao Afeganistão não significa uma retirada da nossa presença militar numa missão da NATO que foi devidamente endossada por uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas, neste ponto revestindo-se de um carácter substancialmente diferente da intervenção militar no Iraque. O que Portugal decidiu foi reformular o seu nível de empenhamento, mantendo uma presença através de meios aéreos que, sendo menos visíveis do ponto de vista operacional, não podem ser tidos como um desinvestimento no plano político na missão da Aliança a que pertencemos.

A questão pertinente que se deve colocar é a de saber se o impasse da situação no Afeganistão reside essencialmente num problema de ineficácia militar, resolúvel através do empenhamento de mais forças, ou se, pelo contrário, estamos perante um problema político, primeiramente devido à situação interna do próprio país e subsequentemente decorrente dos efeitos na região, quer da situação iraquiana quer do conflito civil no Paquistão. Com efeito, é difícil explicar que a operação militar da NATO que levou ao derrube do regime dos talibãs se tenha traduzido num limitado controlo, por parte do Governo afegão, da capital e zonas limítrofes, e que nas províncias os senhores da guerra locais continuem a ditar as regras, incluindo no apoio que dispensam a grupos terroristas ligados à Al-Qaeda. Como é difícil explicar que, logo após a intervenção militar internacional, tenha aumentado (e muito) a produção de drogas e a sua distribuição a partir das zonas orientais do Afeganistão e das regiões limítrofes do próprio Paquistão... Há de facto ocasiões em que a sabedoria diplomática deveria aconselhar prudência nas declarações, mesmo a título de despedida...

Obs: Publique-se e mande-se xerox para a Casa Branca a fim do seu locatário dar um puxão-de-orelhas ao abelhudo do diplomata norte-americano acreditado em Portugal que já se foi.