segunda-feira

A "ternura" de Vasco a Miguel Sousa Tavares. Guerrinha de leões no patrulhamento do território intelectual e da produção de ideias

UM NOVO GÉNIO - por Vasco Pulido Valete - «Há uns tempos, Miguel Sousa Tavares escreveu um romance chamado Equador. Era "um romance de aeroporto" implausível e pueril, que seguia a receita do género: um lugar exótico, longas descrições de paisagens, muito sexo e muita atenção à cozinha e à roupa. Até dois terços, não se lia mal, como se lêem os livros deste género: sem esforço, com meia atenção, para descansar. No meu caso, li a coisa no hospital, numa altura em que não tinha cabeça para mais nada. Hoje só me lembro, e vagamente, do herói: uma espécie de super-Miguel, um pouco ridículo, com o seu arzinho aristocrático e a sua obrigatória consciência de esquerda. A certa altura, o Equador desapareceu (por falta de espaço) na limpeza de uma estante qualquer e não tornei a pensar no assunto. Nunca me ocorreu que Miguel Sousa Tavares se tomasse por um escritor. Afinal muita gente, sobretudo em Inglaterra e na América, vive de produzir prosa para consumo de massa, que ninguém confunde com literatura. É uma maneira como outra de ganhar a vida. Honesta, ainda por cima. Mas Miguel Sousa Tavares parece que não se considera light e pretende que o levem a sério. Só isso explica que volte agora a meia dúzia de comentários sobre o Equador (não especialmente lisonjeiros) que publiquei há anos numa carta a este jornal. Para explicar essa minha absurda aberração, Miguel Sousa Tavares revelou ontem ao Expresso que eu, quando o critiquei, não tinha lido o livro e que depois, quando de facto o li, o achei óptimo. Quem lhe contou foi um amigo anónimo, presumivelmente tão analfabeto como ele; e em que ele, claro, piamente acredita. Fora a acusação de fraude (que me incomoda), Miguel Sousa Tavares trata com condescendência o meu putativo pessimismo e lamenta que o meu conhecimento do mundo não vá muito além de Oxford e do Gambrinus (para quem não saiba, um restaurante de Lisboa). Esta estupidez não é inocente, é profiláctica. Serve para me desqualificar, se por acaso eu disser o que penso (e não disser bem) sobre o Rio das Flores, um segundo romance que já saiu ou vai sair daqui a poucos dias. Mesmo vendendo como vende, Miguel Sousa Tavares não consegue suportar que diminuam o que ele julga ser o seu imenso brilho. A mim, não me aflige que ele se apresente como um génio literário. Desde que não ande por aí a espalhar mentiras.» [Público assinantes]
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Obs:
Confesso que para mim ambos pensam e escrevem excepcionalmente bem. Este tipo de comentários são (mais) exercícios de estilo do que de fundo. Vasco faz lembrar aqueles leões em fim de ciclo que já não consegue patrulhar o território, saciar as fêmeas e oferecer segurança (intelectual) à comunidade que lidera.
Miguel, por seu turno, tem um ego do tamanho do mundo e pensa que só ele tem acesso a tudo aquilo que já escapa ao vasco, até por força da lei natural da vida: força (de vendas), sexo (com algumas ejaculações precoces literárias) e agressividade (gratuita).
Eu, e só por mim falo, evidentemente, nunca reconheci valia a um e a outro pelos romances que escreveram, mas sim, primeiramente, pelas opiniões sólidas e contundentes que produziram ao logo destes últimos 20 anos, apesar de saber que quer um quer outro são bem capazes de escrever bons livros.
E por duas razões básicas: além de inteligentes e cultos, dominam bem a língua, são criativos e "têm mundo". De modo que isto faz-me lembrar mais a discussão acerca do sexo dos anjos. Ou então o Vasco anda fulo porque o Miguel vende às centenas de milhar e o vasco só vende às dezenas dele...
Seja como for, o Vasco não deveria perder o seu tempo a escrever sobre o sexo dos anjos, e o Miguel deveria não ser tão papista, senão daqui a pouco também digo que o Zaramago também é escritor...e, para agravar a coisa, nobilizado e tudo!!!