terça-feira

O cansaço e as ilusões do Poder

Já qui referimos, na linha de Henri Kissinger, que o poder é um afrodisíaco, há pessoas que precisam dele mesmo sem saber que destino lhes dar na sua aplicação prática. Tantas e tamanhas são os seus prazeres, gratificações e recompensas que só o facto de um determinado político o deter pensa que é eterno e, desse modo, pensa nunca cessar a sua vida e a sua pujança na sociedade. Mas, de facto, a realidade é outra.
Recordo aqui um ex-professor de faculdade, docente em Direito Internacional Privado que fazia adormecer os alunos nas suas aulas, mesmo aqueles que não as frequentavam (adormeciam à posteriori), que sentia um terrível desconforto por, volvidos quase 30 anos da sua saída do poder - onde fora ministro de Salazar - ainda não ter digerido essa sua perda de poder e de influência no aparelho de comando do Estado e da sociedade. De modo que a sua maneira de pensar e os seus tiques estavam completamente desajustados da realidade.
No entanto, e como esse poder teve um início, imagino as chatices que ele teve de se meter para o atingir; em quantas intrigas teve de participar para o alcançar... É assim em ditadura e também é assim em democracia. Sendo certo que o político guarda na memória esses momentos de ascenção e queda - num misto de prazer e sofrimento, de vitalidade e decadência.
Neste contexto, pergunto-me quantas decepções já teve Sócrates, quantas frustrações, quantas renúncias já teve por não ter sido bem sucedido no convencimento da opinião pública, que é como o vento, ora vai numa direcção, ora segue noutra - como certos maluquinhos do deserto das rotundas de Almada.
Daqui decorre a circunstância de muitas pessoas qualificadas técnica, política e culturalmente - lembro-me aqui de António Vitorino - não quererem o poder. Aliás, no seu caso até se deu ao luxo de rejeitar a cadeira de S. Bento, pois na altura AV seria a pessoa melhor colocada para suceder no poder em Portugal. Qual será a razão desta renúncia e deste desprendimento pelo poder?!
Creio que alguns políticos concebem-se como pequenos deuses que tudo imaginam e tudo querem fazer ao mesmo tempo, pensam até que estão na posse dum sentimento de domínio sobre todas as outras pessoas. E como se imaginam assim, vêem-se também como uma referência catalisadora de tudo e de todos ao mesmo tempo, uma espécie de catalisador.
Mas se esta pode ser uma sua percepção, e até pode ser válida num dado momento histórico, ela deixa de aplicar-se na linha do tempo, ou seja, essa influência, esse ascendente com o tempo quebra-se - como uma corda que durante anos aprisionou uma traineira ao cais e, de súbito, pela erosão do vento e do sal, parte. Tal como a traineira - que muda de poiso - também o político vê-se privado do seu velho poder, influência e até autoridade e vai à vida. E aqueles que não aceitam esta realidade, como lei férrea da vida, acabam por cair na casa quadrada da ilusão - que torna essas pessoas ainda mais prisioneiras dessa escravidão, como se o poder representasse a única realidade vital da vida e à qual tudo se devesse sacrificar.
Creio que políticos como António Vitorino cedo perceberam isto, e mandaram a capa dessa ilusão alienante às malvas, mas temo que a generalidade dos políticos viva sob a hegemonia escravizante da sua própria ilusão, qual efeito narcísico em suas vidas - que faz com que tudo o resto seja sacrificado.
Pense-se em quantos políticos em Portugal vivem nessa ilusão do poder...E destes, quantos são aqueles que verdadeiramente conseguem abandonar o poder a tempo. Por exemplo, Mário Soares - ainda alimentou a esperança do regresso - a Belém - depois de já ter dado tudo de si e pela política em Portugal. Resultado: foi duplamente humilhado, nas urnas no plano nacional e também pelo seu amigo, poeta e correlegionário Manuel Alegre. Sabe-se hoje que Soares procura comprar um flat no Rio de Janeiro frente à praia. Tem bom gosto, seria bom que não se esquecesse de convidar o Macro a umas férias tropicais.. Mas poderia ter caído melhor, caso não tivesse preso áquela ilusão de aranha - que aliena certas pessoas na vida pública.
Daqui decorre uma conclusão sumária: todos os políticos deveriam saber sair a tempo da vida pública, desde que soubessem perceber que objectivos atingiram em prol do seu país, mas também que as vitórias em política, como em tudo na vida, são tremendamente efémeras e provisórias.
Espero, pois, e como mero cidadão o digo, que Sócrates repondere a sua opção pela Ota - que creio ser uma má solução para o País: uma má solução económica, de segurança e de desenvolvimento a médio e longo prazos. Aliás, para que ele possa clarear os neurónios, sugerimos aqui umas miniférias no Rio na companhia de Soares de modo a que possa regressar revitalizado, sem as velhas ilusões alienantes e mais aberto e predisposto a abrir um novo processo de tomada de decisão que contemple o quadro de possibilidades que, ao menos, permita que os aviões descolem e aterrem em maior segurança.
Até lá continuamos a ver esses pássaros a aterrar e a descolar da Portela, e ainda com algumas ilusões...(de que Socas não ande iludido).