segunda-feira

Os limites do liberalismo - por Francisco Sarsfield Cabral -

Os limites do liberalismo (in Público)
Portugal não é um país liberal. A autonomia face ao Estado, a liberdade individual e o anti-conformismo social nunca fizeram parte da nossa matriz como povo.
Veja-se a debilidade da iniciativa empresarial. Ou a nossa incapacidade para protestar. Preferimos resmungar, mas em voz baixa. Assim, é de louvar tudo o que venha remar contra esta maré anti-liberal.
Mas há limites no liberalismo. Importa distinguir entre as intervenções do Estado que são negativas e as necessárias à sociedade. O ultra-liberalismo é um equívoco, no qual caem os defensores do Estado mínimo.
Para um deles, R. Nozick, os impostos que pagamos sobre os rendimentos do trabalho equivalem à escravatura (somos forçados a trabalhar em benefício de outros). É ignorar a dimensão colectiva da identidade pessoal e a solidariedade que tal implica.
Há liberais que advogam um Estado radicalmente neutro face às múltiplas concepções de vida das pessoas. Argumentam que o Estado, para ser imparcial, fica inibido de defender qualquer valor substantivo, ditando apenas as regras de um convívio justo entre as diversas opções existentes na sociedade pluralista.
Ora o Estado neutro é uma fantasia. Que ele dificilmente pode ser mínimo, ressalta do facto de em parte nenhuma do mundo capitalista – nem com a Sr.ª Thatcher – o Estado ter encolhido nesta era dita neo-liberal. E não pode ser neutro porque a sociedade assume sempre, colectivamente, alguns valores substantivos. Na justiça social, por exemplo. Ou na cultura – porque apoiam os poderes públicos determinadas manifestações artísticas e não outras?
Decerto que, numa democracia pluralista, os valores colectivos, escolhidos pela vontade de maiorias, devem ser restritos, de maneira a dar a maior margem possível às diferentes concepções de vida. Mas alguns valores da colectividade enquanto tal terão de existir, impondo-se a toda gente, concordando ou não com eles.
Por muito respeito que se deva ter por culturas alheias, o Estado não pode ser indiferente perante práticas – como a mutilação genital feminina – que violam direitos humanos. Isto, segundo a visão do mundo predominante na nossa sociedade.
Também não deve o Estado favorecer fiscalmente comportamentos negativos para a sociedade. E fazer a avaliação do que é bom para a sociedade implica, sempre, uma ideia da pessoa e da sua dignidade.
Se deve haver a máxima liberdade para cada um adoptar o estilo de vida que entenda, importa que, de caminho, não se atinjam instituições sociais decisivas para a colectividade. Ora certas iniciativas fracturantes – casamentos gay, divórcio na hora, etc. - têm efeitos dissolventes sobre uma instituição crucial para o bem-estar colectivo, a família.
Bem sei que famílias há muitas e que a família actual é diferente da família de há meio século. E sei que o Estado não deve meter o nariz nos costumes de cada um. Só que o Estado tem obrigação de zelar pelas instituições básicas da sociedade, não fazendo leis que as minem.
Claro que, ao falar assim, serei visto com um arcaico conservador, palavra que hoje começa a substituir, como insulto, a designação de fascista (já é um progresso...). Mas ser moderno não significa correr atrás de todas as modas, sobretudo das que não exigem esforço nem responsabilidade.
O PÚBLICO divulgou há duas semanas que mais de metade dos casais portugueses não tem filhos. E um terço tem apenas um filho. A maioria dos que têm filhos não pretende mais tempo para dedicar à família. Não quer prejudicar a sua vida profissional.
Pelo contrário, a maioria dos europeus gostaria de ter mais tempo para cuidar da família. Entretanto, nos Estados Unidos, nota The Economist que a taxa de divórcios caiu quase para metade nos últimos trinta anos entre as mulheres com formação universitária.
Convirá à nossa sociedade a desagregação da família? Não é preciso invocar razões morais, basta uma análise pragmática para concluir que tal desagregação acarretaria – já está a acarretar – problemas sem fim.
A promoção política e legislativa da liberalização dos costumes é velha bandeira de uma certa esquerda. Agora, porém, o CDS (ou será o PP?) começa também a agitá-la – o que foi saudado por comentadores politicamente correctos como um passo na modernização do partido. E se nos preocupássemos menos com parecer modernos e mais com viver numa sociedade equilibrada? Francisco Sarsfield Cabral Jornalista
Obs: O Francisco tem razão, resmungamos baixinho de tão subsidio-dependentes que somos. Somos só liberais quando queremos fazer algum negócio e arrecadar algumas mais-valias na sequência do mercado funcionar, no resto somos proteccionistas e ultra-conservadores como feitores duma quinta que não quer ser nacionalizada.
Mais um eficiente artigo de filosofia económica (e moral) - cujos pressupostos não se alteram por decreto. Enfim, somos o que somos: uns pedinchões, mas o mais grave é que o Estado é o 1º agente relapso a dar esse mau exemplo - até nas dívidas que tem para com os privados.
Somos mesmos uns resmungões...
O sublinhado é nosso.