quarta-feira

Escolha de modernidade - por António Vitorino -

António Vitorino - Jurista - ESCOLHA DE MODERNIDADE
Em certa medida a reforma do ensino superior em Portugal, desencadeada pela aprovação na semana passada, pelo Governo, da proposta de lei do regime jurídico das instituições do ensino superior, vai constituir um teste interessante à vontade de mudança do conjunto da sociedade portuguesa.
Desde logo, porque ninguém pode contestar a urgência da reforma. Raras vezes teremos encontrado, à partida, um caldo de cultura tão favorável a uma alteração legislativa que se impõe simultaneamente pela identificação das limitações do modelo actual (que, nas suas linhas essenciais, data do início da década de 90) como pela consciência aguda de que o ambiente à escala internacional sofreu tais mutações que o imobilismo, neste sector, equivale a um grave prejuízo para o nosso país.
Em segundo lugar, o denominado "Processo de Bolonha" veio colocar novas exigências ao funcionamento das instituições do ensino superior em todos os Estados membros da União Europeia. Neste particular, não estarão apenas em causa as dificuldades (e as resistências) à aplicação do novo modelo de ciclos de formação superior e sua valia para efeitos de entrada na vida profissional, mas também a consciência de que a mobilidade de estudantes e de professores constitui uma matriz do sistema de ensino superior europeu nas próximas décadas.
Ora esta ideia central de mobilidade está intimamente associada à ideia de competitividade directa entre instituições (públicas e privadas) de ensino superior à escala da própria União Europeia. Com efeito, a comparabilidade dos métodos de ensino, das qualificações conferidas e das capacidades adquiridas ganham, neste novo quadro, uma relação mais directa e imediata que impede que a aferição de resultados, a avaliação de formas de organização e de administração e a própria lógica do desenvolvimento da carreira docente seja apenas feita em função do universo estrito do nosso espaço nacional. À primeira vista, esta conclusão parece um contra-senso: então não é em função do universo da população estudantil de um país que se têm de definir os padrões de funcionamento das instituições de ensino superior? Em que medida é que as práticas e os resultados dos meus vizinhos têm de interferir na definição das minhas próprias regras de funcionamento?
Ora é aqui que bate o ponto. Na precisa medida em que se introduzem possibilidades acrescidas de mobilidade no espaço europeu mais alargado (tanto no tocante a estudantes como no respeitante a professores), com base em realidades mais próximas entre si, aumenta o risco de os sistemas de ensino que não apresentarem critérios de exigência e de rigor elevados virem a aprofundar o seu distanciamento e atraso em relação aos demais sistemas que com eles são directamente comparáveis e concorrem. Com tudo o que isso significa de desvalorização das qualificações e títulos conferidos e das inerentes desvantagens no plano do acesso ao mercado de trabalho e da inserção nas redes transnacionais de investigação científica e tecnológica.
Este enquadramento da questão reflecte-se tanto no plano das regras de Governo das universidades e institutos politécnicos quanto no modelo da sua autonomia académica e científica, como nas suas formas de gestão e de financiamento.O impulso reformador ora tomado vai decerto bulir com interesses instalados, com rotinas e práticas consolidadas, com uma lógica de "governo de assembleia" que diluía a responsabilidade da cadeia de comando e propiciava a formação de "coligações de corpos" académicos para dirimir a questão central do poder em cada universidade ou instituto e mesmo ao nível de cada faculdade ou escola.
A nova lógica proposta terá de passar pelo crivo do debate público e da decisão parlamentar, mas as opções de fundo sobre o sistema de governo das instituições de ensino superior não podem ficar prisioneiras nem de um qualquer "ajuste de contas" com o modelo anterior nem de uma contabilidade mesquinha do deve/haver de cada grupo ou categoria de pessoas que integram a instituição universitária. O debate não poderá, em nenhum momento, perder de vista o horizonte mais geral do desafio de internacionalização que também se joga no ensino superior.
Por muito que a palavra incomode alguns, trata-se de uma escolha de modernidade.
Obs: Divulgue-se junto da comunidade, sobretudo dos reitores mais idosos e dos seus discípulos que converteram a Academia num jogo corporativo, numa troca de favores e num feudo medieval permanente, que a tem impedido de avanaçar e de ser modernizar e internacionalizar como ora reclama AV no artigo supra. Se há instituição corporativa funcionando de forma endogâmica matando, cerce, a inovação e a criatividade.. é a universidade portuguesa. Hoje qualquer coisa será melhor do que o que está. O sublinhado é nosso.